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VATICANO
Em novo livro, João Paulo 2º sugere que o comunismo "criou oportunidades para o bem'; analistas se dizem perplexos
Comunismo foi "mal necessário", diz papa
TONY BARBER
DO "FINANCIAL TIMES", EM ROMA
O papa João Paulo 2º, que sofreu
a opressão nazista e comunista
em seu país natal, a Polônia, deixou espantados seus admiradores
e adversários ao sugerir, em um livro que acaba de lançar, que o comunismo pode ter sido "um mal
necessário" do século 20.
A observação está contida em
"Memória e Identidade", um livro baseado em conversas particulares que o papa, hoje com 84
anos, teve com dois filósofos poloneses no verão de 1993, quatro
anos após a queda do comunismo
na Europa oriental.
João Paulo 2º foi um dos mais
severos críticos das ideologias totalitárias do século passado. Sua
condenação do comunismo serviu de inspiração aos poloneses
quando criaram o sindicato Solidariedade, em 1980, dois anos depois de ele ter se tornado papa.
Em seu livro, trechos do qual foram divulgados nesta semana por
sua editora italiana, a Rizzoli, João
Paulo 2º recorda sua reação quando a Polônia e outros países do
Leste Europeu caíram sob o domínio comunista soviético, após a
Segunda Guerra Mundial.
"Ficou claro para mim, de repente, que o comunismo duraria
muito mais tempo do que durara
o nazismo. Quanto tempo? Era difícil prever. O que éramos levados
a crer era que esse mal era, em algum sentido, necessário para o
mundo e para a humanidade. De
fato, pode acontecer que, sob determinadas situações concretas
da existência humana, o mal revele ser de alguma maneira útil
-útil na medida em que cria
oportunidades para o bem."
"Perplexidade"
O filósofo e historiador Giovanni Reale, da Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão,
disse que as reflexões do papa
"suscitaram enorme surpresa e
perplexidade".
Mesmo assim, em artigo publicado na edição de ontem do
maior jornal econômico italiano,
"Il Sole 24 Ore", Reale disse que o
papa, ao fazer essa declaração,
pensava no comunismo não como evento da história, mas como
uma força que foi derrotada em
nível filosófico e teológico.
O líder do partido da Refundação Comunista, Fausto Bertinotti,
rejeitou a descrição feita pelo papa do comunismo como um mal,
dizendo que João Paulo 2º evoca
"uma explicação metafísica da
história, algo compreensível dado
o púlpito de onde ele veio".
Em seu livro, João Paulo 2º sugere que compartilha da visão do
poeta romântico alemão Goethe
sobre a natureza do mal. Ele cita
um trecho da peça "Fausto" em
que Mefistófeles, o demônio, se
descreve como "parte daquele poder que sempre quer fazer o mal e
sempre faz o bem".
O papa também recordou a era
em que a Polônia esteve sob ocupação nazista e quando ele estudou em segredo para tornar-se sacerdote. "O Senhor Deus permitiu que o nazismo existisse por 12
anos, e após 12 anos esse sistema
caiu. Percebe-se que esse foi o limite imposto pela divina Providência àquele tipo de loucura."
Autoridades do Vaticano disseram que as conversas em que o livro se baseia foram gravadas em
1993 e foram apenas levemente
editadas pelo papa.
O livro deve ser publicado no
início do próximo ano, e, a julgar
pelas publicações anteriores de
João Paulo 2º, tem todas as chances de se tornar best-seller internacional. Os royalties dos livros
do papa são doados a obras beneficentes.
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