|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AS REVELAÇÕES
Militares fazem campanha por Fujimori, diz oficial
do enviado especial
As Forças Armadas do Peru estão apoiando, com medidas concretas, a campanha eleitoral do
presidente Alberto Fujimori a um
terceiro mandato consecutivo.
Dessa vez a denúncia não é feita
pela oposição ou por organizações não-governamentais. Parte
de dentro das próprias Forças Armadas. Pela primeira vez, um oficial peruano fala sobre o envolvimento de militares na tentativa de
prolongar por mais cinco anos o
governo de Fujimori, eleito pela
primeira vez em 1990.
O relato foi feito à Folha por um
major (terceiro posto na escala
militar) que trabalha na área de
inteligência. O nome dele e a Força a qual pertence não serão revelados por questões de segurança.
Em entrevista gravada, o major
conta que militares ensinaram
eleitores a preencher a cédula em
favor de Fujimori e distribuíram
alimentos, remédios, livros e até
mesmo roupas doadas por outros
países a populações carentes em
troca de votos.
"O que lhes dizemos, eles fazem.
É como ensinar um cachorro seu,
que depois vai obedecê-lo porque
você é quem o alimenta", disse. O
major -que se declara simpatizante de Fujimori- estava fardado e usava identificação com seu
nome quando concedeu a entrevista na última sexta-feira. Sua patente e o posto que ocupa nos serviços de inteligência militares foram confirmados pela reportagem. A seguir, as revelações.
(LF)
MILITARES NA CAMPANHA -
"Em várias cidades grandes e médias, como Cuzco, Arequipa e
Iquitos, a popularidade do presidente caiu muito nos últimos
dois anos. Muitos consideram
que Fujimori cedeu mais do que
deveria na negociação (realizada
em 98) para pôr fim à guerra com
o Equador ou que o desemprego
é culpa dele e agora o rechaçam.
Por isso Fujimori está em situação ruim nas pesquisas.
Faltam-lhe muitos votos para
ganhar a eleição no primeiro turno (cerca de 600 mil). Mas as Forcas Armadas trabalham arduamente para mudar essa realidade.
O apoio da cúpula militar à candidatura de Fujimori é total."
A AÇÃO - "Há três meses, as
Forças Armadas iniciaram as
ações concretas em favor de Fujimori. Diria que, de cada 30 militares do Exército, 1 trabalha pela
candidatura do presidente. As ordens são para utilizar quanto pessoal seja necessário, com apoio de
caminhões e aviões."
ENSINANDO A VOTAR - "O
Peru tem um índice muito grande de analfabetos (11%). Houve
muitas missões, sobretudo do
Exército, para ensinar os trabalhadores do campo a votar em
Fujimori. Foi ensinado a eles onde marcar o "x" na cédula, mesmo que ela esteja de cabeça para
baixo. Vi isso acontecer em muitas localidades, como em Huancavelica (centro do país)."
DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS - "Eu fiz uma média de duas
viagens por quinzena para participar da distribuição de alimentos. Estamos falando de sete toneladas de alimentos por vôo. Chegávamos às cidades pequenas e
nos reuníamos com as famílias.
Perguntávamos quantas pessoas
havia na família e depois dizíamos que iríamos dar-lhes de comer por um mês. Mas explicávamos que tinha uma condição: que
votassem no partido do presidente. Nos povoados mais afastados,
os militares são como deuses. O
que lhes dizemos, eles fazem. É
como ensinar um cachorro seu,
que depois vai obedecê-lo porque
você é quem o alimenta."
DOAÇÕES INTERNACIONAIS
- "Roupas doadas por países como Alemanha, Holanda e Suécia
foram distribuídas à população
carente pelo pessoal das Forças
Armadas. Mas sempre havia o
pedido do voto. O pessoal do Presidente nos acompanhava, fazendo sua propaganda."
REMÉDIOS E LIVROS - "Além
de comida, também participamos da distribuição de remédios
e livros, comprados com dinheiro
do Estado. Colegas meus, oficiais
do Exército, comandavam a distribuição e depois faziam um discurso dizendo que havia sido o
presidente Fujimori quem enviara as doações. No final diziam: "se
vocês querem que isso continue,
votem no presidente ou do contrário a ajuda será cortada".
TRANSPORTE PARA COMÍCIOS - "Ontem (quinta-feira), o
Exército enviou caminhões e ônibus aos bairros mais afastados do
centro de Lima para buscar pessoas para o comício de Fujimori
(o último antes da votação).
Bandeiras e camisetas da campanha foram distribuídas. Isso é
comum, sempre aconteceu."
POSSIBILIDADE DE FRAUDES
- "O pessoal da Marinha e da Aeronáutica não recebeu nenhuma
ordem para fraudar as eleições.
Com relação ao Exército, não sei.
A fiscalização está muito forte e
pode ser que o presidente não se
atreva a autorizar a fraude, mas,
se ela ocorrer, será feita pelo
Exército. Nós, militares, vamos
ter a custódia das urnas antes e
depois da votação. Se houver
fraude, será depois da votação.
Em localidades pequenas, as urnas serão transportadas pelos militares, depois da votação, até os
escritórios da Onpe (órgão responsável pela organização do
pleito). Nesse trajeto, pode haver
a mudança, podem-se trocar algumas planilhas."
RESPALDO PRESIDENCIAL -
"Claro que o presidente conhece
tudo o que as Forças Armadas fazem em seu benefício."
APOIO DAS FORÇAS ARMADAS - "Qualquer um dos candidatos que saia vencedor terá de se
apoiar nas Forças Armadas. Somos um país democrático, mas
com uma estrutura malformada.
O presidente então precisará de
um respaldo das Forças Armadas, que é a única instituição sólida que lhe restará. Queira ou não.
Não há outra alternativa. Que
mais lhe restaria? O Congresso?
São uns palhaços."
SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA -
"O SIN (Serviço de Inteligência
Nacional, órgão civil de assessoramento do presidente) toca os
assuntos mais pontuais. Faz pesquisas de intenção de voto, analisa as debilidades dos concorrentes, vê em que ponto podem ser
atacados. Amanhã (ontem, véspera da votação), haverá uma
reunião de nível presidencial para
que o pessoal do SIN apresente os
prognósticos da eleição.
O SIN também está trabalhando para ganhar o apoio dos candidatos que não passarão ao segundo turno. São oferecidos postos importantes e até ministérios.
Tenho dois amigos do SIN que
atuam na articulação com dois
partidos que publicamente se
apresentam no primeiro turno
como oposição a Fujimori.
Também está-se reunindo documentos contra Toledo (Alejandro Toledo, provável concorrente
de Fujimori num possível segundo turno) para dar à imprensa."
POSIÇÃO PESSOAL - "Nós,
das Forças Armadas, recebemos
e cumprimos ordens. Mas me incomoda estar metido num tipo
de ação que não é correta. Deveríamos dar alimentos, remédios e
outras coisas a essa gente porque
precisam, porque o Estado os esqueceu e não por causa das eleições. Mas faço porque tem gente
acima de mim. A cúpula das Forças Armadas é a favor desse tipo
de medida, mas não os de baixo.
Eu não voto, porque os militares não podem votar. Mas se pudesse, votaria em Fujimori. Creio
que o presidente deve ficar mais
cinco anos no poder. Ele fez uma
boa base, como nenhum outro
presidente fez com relação ao
combate à inflação, reforma de
empresas públicas, combate ao
terrorismo e à delinqüência. O
Peru ganhou o respeito do Fundo
Monetário Internacional. O Peru
tem credibilidade -credibilidade no país e no seu presidente.
Dar mais cinco anos a Fujimori
pode ser a solução no que se refere ao desemprego, por exemplo.
Os outros candidatos não têm
programa de trabalho."
Texto Anterior: Eleições: Peru vota sob denúncias de fraude Próximo Texto: Governo nega interferir na campanha Índice
|