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RELATO
As mentiras que os EUA contam
Há algum setor das forças militares norte-americanas que passou a odiar a imprensa e quer tirar do caminho jornalistas que estejam em Bagdá?
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ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Primeiro mísseis americanos atingiram o correspondente da Al Jazeera e seu cinegrafista. Depois -num intervalo de
quatro horas- os EUA atacaram
o escritório da Reuters, em Bagdá,
e atingiram um de seus câmeras,
pai de uma criança de oito anos,
além de outros integrantes da
equipe e um cinegrafista do canal
espanhol Telecinco.
É possível acreditar que isso tenha sido um acidente? Ou é possível que a palavra certa para as
mortes decorrentes desses ataques seja assassinato?
Não são, obviamente, as primeiras mortes de jornalistas na invasão anglo-americana do Iraque.
Tampouco podemos nos esquecer dos civis iraquianos que estão
sendo mortos e mutilados às centenas e que -diferentemente dos
convidados jornalistas- não podem deixar o país e voar para casa
de classe executiva.
Ou seja que os fatos de ontem
devem falar por si. Infelizmente
para os americanos, tudo o que
aconteceu se parece muito com
assassinato.
Vejamos o míssil que atingiu a
sede da Al Jazeera às margens do
rio Tigre. O correspondente da rede de televisão, um jordaniano-palestino chamado Tareq Ayyoub, estava no topo do prédio
com seu segundo cinegrafista, um
iraquiano chamado Zuheir, registrando uma batalha que ocorria
entre tropas norte-americanas e
iraquianas.
Como Maher Abdullah, colega
de Ayyoub, contaria mais tarde,
"o avião voava tão baixo que pensávamos que pousaria no topo do
prédio. Foi um ataque direto -o
míssil chegou a explodir contra o
nosso gerador".
Agora resta aos americanos o
problema de explicar isso. Em
2001, os Estados Unidos atingiram com um míssil o escritório da
Al Jazeera em Cabul, no Afeganistão -de onde vídeos de Osama
bin Laden ganharam exibição para
todo o mundo.
Explicações nunca foram dadas.
Mais perturbador, no entanto, é
o fato de que a Al
Jazeera -a rede
de televisão árabe
independente,
que conseguiu
despertar a fúria
de autoridades
norte-americanas
e iraquianas por
sua cobertura ao
vivo da guerra-
havia informado
ao Pentágono as
coordenadas de seu escritório em
Bagdá há dois meses e recebeu a
garantia de que o local não seria
atingido.
O ataque seguinte veio logo depois, quando um tanque Abrams
apontou seu canhão em direção
ao hotel Palestine,
onde jornalistas
estrangeiros estão
hospedados na
capital iraquiana.
A munição explodiu entre a
equipe da agência
de notícias Reuters e atingiu o cinegrafista ucraniano Taras
Protsyuk, o britânico Paul Pasquale e dois outros
jornalistas, incluindo a repórter
libanesa-palestina Samia Nakhoul, além de José
Couso, do canal espanhol Telecinco.
Os americanos se justificam
com o que todas as evidências
provam ser uma clara mentira. O
general Bufford Blount, da 3ª Divisão de Infantaria, afirmou que
seus veículos estavam sob fogo de
francos-atiradores instalados no
hotel Palestine.
O testemunho do general não é
verdadeiro. Eu estava passando
por uma rua entre os tanques e o
hotel no momento em que ele foi
atingido -e não havia nenhum
tiroteio.
Algo de muito perigoso parece
haver pairado ontem. Há alguma
lição que os jornalistas devem reter disso? Há algum setor das forças militares norte-americanas
que passou a odiar a imprensa e
quer tirar do caminho jornalistas
em Bagdá, ferindo aqueles a
quem nosso próprio (britânico)
ministro do Interior, David Blunkett, maliciosamente afirmou estar trabalhando "atrás das linhas
inimigas"?
Eu conheci Tareq Ayyoub. Disse-lhe o quão fácil esse escritório
de Bagdá seria, como alvo, para os
americanos, se eles quisessem
destruir a cobertura que faziam
-vista em todo o mundo árabe-, com imagens das vítimas
civis dos bombardeios.
Taras Protsyuk dividia por vezes o elevador inacreditavelmente
lento do hotel Palestine comigo.
Samia, aos 42 anos, é uma amiga
desde a guerra civil libanesa entre
1975 e 1990. Ontem à tarde, estava
coberta de sangue, num hospital
de Bagdá.
E o general Blount insinua que
essa mulher e seus bravos colegas
eram francos-atiradores. O que
isso, me pergunto, nos diz sobre a
guerra no Iraque?
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