São Paulo, domingo, 9 de maio de 1999

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UMA VISÃO IUGOSLAVA
País sempre resistiu a opressores

DRAGAN S. VUJNOVIC
especial para a Folha

O significado do Estado não está só em seus atributos próprios: o território, a população e o governo. Dentro do conceito de Estado encontra-se também a identificação da população com o seu passado e presente, com os valores milenares ou espirituais.
É tudo isso que conecta os indivíduos, grupos e a nação inteira com um determinado território (independentemente da autoridade, que muda). E justamente Kosovo possui tudo isso para os sérvios.
Habitando lá desde o século 7º, foi nessa região que em 1170 foi formado o primeiro Estado sérvio (Stefan Nemanja fundou a dinastia dos Nemanjic, que teve dez reis). Foi lá que a igreja sérvia obteve a sua autonomia em 1219 e seu primeiro arcebispo.
Foi lá que se travou a Batalha de Kosovo, em 28 de junho de 1389, entre os sérvios e os turcos, o que parou por muito tempo a penetração turca no ocidente europeu.
Foram lá compostas, e passadas oralmente, algumas das mais lindas e mais conhecidas canções épicas sérvias pelas quais o escritor e pensador alemão Goethe estudou a língua sérvia no início do século 19. Essas canções e a igreja mantiveram e consolidaram a nacionalidade nos sérvios durante os 450 anos de dominação otomana.
Os que recomendaram e os que executaram a idéia genocida de que um país seja bombardeado de longe, com perdas mínimas, até que este seja obrigado a assinar um acordo (de Rambouillet) com o qual não concorda (que inclui a separação de Kosovo da Iugoslávia) praticam um ato bárbaro.
Os sérvios sempre lutaram contra os opressores, principalmente nos últimos 200 anos. Durante a Primeira (1804-1813) e a Segunda Revolta Sérvia (1815), os sérvios lutaram contra os turcos e obtiveram ampla autonomia.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), morreram nos campos de batalha (contra austríacos, alemães e búlgaros) e de fome e doença 26% do total da população da Sérvia (nenhum país tinha tantos mortos, nem tão grande sofrimento).
Na Segunda Guerra Mundial os sérvios perderam mais de 1 milhão de vidas, e contribuíram de forma considerável à vitória dos aliados.
Por isso, a brutal agressão da Otan à Iugoslávia não tem sentido algum, não tem justificativa perante o direito internacional ou os costumes dos povos civilizados.
A devastação por bombas da Otan sobre escolas, prédios, casas particulares, fábrica, torres de TV, pontes, aeroportos, trens e até prédios da Cruz Vermelha é testemunho das ações genocidas cometidas e merecem todo o repúdio e a condenação de outros Estados.
A aviação de Hitler bombardeou Belgrado e algumas outras cidades de Sérvia e Montenegro no dia 6 de abril de 1941, que foi um domingo de Páscoa, assim como os chamados aliados (EUA e Reino Unido), que bombardearam Belgrado em abril de 1944 (também era Páscoa) sob o pretexto de atacar nazistas.
Lamentavelmente, o mesmo ocorreu em abril de 1999, quando a Otan bombardeou severamente cidades na Iugoslávia, executando uma prática genocida. Nosso mundo não precisa da "Paz Americana", mas sim de pluralidade (cultural, econômica, política) que faz do nosso único mundo um lugar rico e digno de viver para todos.
Para julgar corretamente os acontecimentos na Iugoslávia, deve-se saber que muitos albaneses não sabem a língua sérvia, mas o Estado os considera cidadãos. Para obter cidadania dos EUA, é preciso dominar a língua inglesa.
O povo albanês possui seu próprio Estado, soberano e independente, desde 1913. Nos países vizinhos (Macedônia e Grécia), o povo albanês vive como minoria étnica.
Durante as últimas décadas, políticos albaneses foram eleitos para os seguintes postos: presidente da Iugoslávia (Sinan Hasani), presidente da Assembléia da Iugoslávia (Sinan Hasani), presidente da Aliança Socialista (Kolj Siroka), foram deputados e embaixadores da Iugoslávia no exterior.
Tudo isso são elementos que os 19 países da Otan não querem respeitar, por causa dos problemas que enfrentam, como a Irlanda do Norte (Reino Unido), bascos (Espanha), curdos (Turquia) e povos latino-americanos (EUA).
Não há muitos territórios no mundo que significam tudo para um povo, como Kosovo significa para a Iugoslávia, em todos os aspectos: político, histórico, cultural, econômico e espiritual.
A agressão da Otan não resolveu nenhum problema em Kosovo, só causou muito sofrimento humano e destruição material aos povos da Iugoslávia. A única solução é utilizar um método civilizado, com diplomacia.
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Dragan S. Vujnovic é encarregado de negócios da Embaixada da República Federal da Iugoslávia em Brasília.



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