São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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Eleição mexicana afastou emergentes e miseráveis

Classe média duplicou desde 1994, mas 45% dos mexicanos ainda são pobres

Com favelas de um lado e prédios ultramodernos de outro, bairro de Santa Fé evidencia a divisão do país e os desafios do novo governo


DO ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O bairro de Santa Fé, no extremo oeste da Cidade do México, talvez funcione como um bom resumo físico da divisão do país, que ficou acentuada com a eleição do conservador Felipe Calderón e a derrota do esquerdista Andrés Manuel López Obrador.
Santa Fé concentra o maior conjunto de prédios inteligentes, de arquitetura de vanguarda e de luxo, muito luxo, de toda a América Latina. A região da Berrini, em São Paulo, com suas torres pós-modernas e "neoclássicas" canhestras, é simplezinha perto de Santa Fé.
Instalada nas colinas onde antes havia um lixão cercado de favelas, é a região para onde as grandes empresas se trasladaram depois do terremoto de 1985, que atingiu o Centro Histórico da capital. HP, Ericsson, IBM e as locais Banamex e Televisa têm suas sedes ali. Quase não há pessoas nas ruas. Mas o Centro Comercial Santa Fé, o maior shopping do país, recebe 8 milhões de visitantes ao ano.
As favelas, porém, continuam. São 50 mil favelados, muitos deles morando ali há mais de 30 anos, quando só havia o lixão cercando os 20 mil habitantes da "nova" Santa Fé, que vivem em torres moderníssimas, com até 40 andares. Há condomínios fechados com seus próprios campos de golfe. Um túnel foi criado para dar acesso a um deles, cortando uma das colinas do bairro.

Neoliberalismo urbano
"Da segurança à limpeza urbana, do paisagismo ao calçamento, tudo na nova Santa Fé foi privatizado e cercado por muros", conta o arquiteto Enrique Martin-Moreno e professor da Universidade Iberoamericana, instalada em Santa Fé. "O neoliberalismo urbano convive com o tsunami das favelas, pré-modernas, que lutam por serviços básicos mínimos."
Esses dois Méxicos terão de ser governados por Calderón. O país que possui a maior frota de aviões particulares, o maior consumo de Coca-Cola e o maior faturamento da rede de supermercados Wal-Mart no mundo depois dos EUA.
"Nunca tivemos uma classe média tão numerosa na história do México. Duplicou de tamanho de 1994 até hoje", disse à Folha Miguel Széleky, professor da Universidade Autônoma do México e ex-vice-ministro de Desenvolvimento Social. Ele foi um dos responsáveis pelo programa Oportunidades, o Bolsa-Família pioneiro na América Latina, que existe há mais de dez anos no país e atende 5 milhões de famílias.
Apesar da transformação do país, 50% da mão-de-obra trabalha na economia informal, sem direitos ou benefícios. São pobres 45% da população, e 17% vivem na pobreza extrema, com menos de R$ 250 ao mês. Há 25 mil táxis clandestinos na Cidade do México e milhares de ambulantes, tolerados pelo ex-prefeito López Obrador -não à toa o herói dos mais pobres mexicanos.
A Revolução Mexicana, que contrapôs camponeses a latifundiários e deixou 1,5 milhão de mortos entre 1910 e 1927, desembocou no governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Em 70 anos de governos do PRI, com reforma agrária, mas muita corrupção e assistencialismo, o México não conseguiu resolver a pobreza que atinge metade do país e que exporta mão-de-obra barata para os Estados Unidos.
Nem a miséria em que vivem seus 10 milhões de indígenas. O subcomandante Marcos virou personagem folclórico, mas o descaso em que vivem os índios mexicanos continua, mais ou menos ignorados pelo México cintilante que cresceu e se estabilizou com o Nafta. (RAUL JUSTE LORES)


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