São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008

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Analista americano vê ameaça de crise mais grave desde Guerra Fria

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A explosão da violência na Ossétia do Sul pode incendiar o Cáucaso e ameaça provocar a mais grave crise desde o fim da Guerra Fria (que opôs Washington e Moscou até o colapso da União Soviética, em 1991). A avaliação é do americano Charles Kupchan, analista do Council on Foreign Relations, em Washington. Em entrevista à Folha por telefone, Kupchan disse que a tensão regional foi acirrada pela secessão de Kosovo, em fevereiro, e ilustra a luta de Moscou para manter sob sua esfera as ex-repúblicas soviéticas.

 

FOLHA - Por que a situação se deteriorou tão brutalmente no Cáucaso?
CHARLES KUPCHAN
- Ninguém esperava conflitos desta magnitude, mas não estou surpreso que a situação tenha se deteriorado. Desde os anos 90, a Abkházia e a Ossétia do Sul vinham sendo palcos de conflitos congelados. O que reacendeu as tensões foi a secessão de Kosovo, que a Rússia rejeitou e prometeu retaliar. Desde então, o que parecia um cenário instável mas administrável está cada vez mais incontrolável, na Ossétia do Sul e na Abkházia.

FOLHA - O que está em jogo?
KUPCHAN
- A grande questão é a herança deixada pelo colapso da União Soviética. O que está em jogo é o futuro da influência russa sobre as ex-repúblicas soviéticas, que tendem a buscar cada vez mais uma aliança com os EUA e o Ocidente. Isso se reflete na aspiração da Geórgia a integrar a Otan [aliança militar ocidental]. É uma luta entre Moscou e Washington [pelo controle do Cáucaso]. Interesses econômicos ligados ao petróleo acirram essas tensões, mas é antes de mais nada uma crise nacionalista e geopolítica.

FOLHA - O senhor acredita no risco de uma guerra total?
KUPCHAN
- Eu ficaria surpreso se houvesse uma guerra ampla. Isso dito, é assustador ver como um conflito que era esporádico degenerou rapidamente num cenário de confronto pleno. A situação mostrou claramente que a Rússia, ao usar ataques aéreos, tanques e artilharia pesada, sinaliza estar preparada para encarar um conflito mais intenso e mais longo. Os EUA e a União Européia farão de tudo para evitar esse cenário, potencialmente um dos mais perigosos desde o fim da Guerra Fria.

FOLHA - A crise pode se espalhar?
KUPCHAN
- Tudo é possível. Os esforços da diplomacia devem ter como objetivo urgente a suspensão das hostilidades, justamente para evitar que a violência atinja outras áreas, Abkházia em primeiro lugar. Na verdade, o conflito vai além dos governos georgiano e russo. Nos dois lados, há elementos párias e grupos paramilitares com agenda própria -nacionalista ou criminosa- que podem buscar incendiar a região para servir a seus interesses.

FOLHA - Em caso de guerra total, o senhor acha possível uma intervenção militar dos EUA?
KUPCHAN
- Acho muito remota essa possibilidade, até porque as Forças Armadas americanas já têm preocupações de sobra com Iraque e Afeganistão. Há soldados dos EUA estacionados na Geórgia, mas sua função é treinar soldados georgianos que participam do contingente internacional no Iraque. Dito isso, a crise na Ossétia do Sul coloca a Casa Branca na parede e deve provocar uma reflexão sobre essa relação tão próxima com Tbilisi.


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