São Paulo, sexta-feira, 09 de setembro de 2011

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ANÁLISE

Última década foi marcada pela construção de paradoxos

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Dez anos depois dos atentados de 11 de Setembro o mais poderoso Exército do planeta, o dos Estados Unidos, ainda não conseguiu vencer a guerra contra a Al Qaeda. Ou, como prefere Gideon Rose, o editor da revista "Foreign Affairs", a mais badalada das publicações sobre assuntos internacionais:
"Com Osama bin Laden morto e a Al Qaeda desacreditada e em fuga, os terroristas claramente não venceram. Mas nem nós o fizemos", escreve Rose na introdução de um livro eletrônico dedicado exatamente ao aniversário dos atentados.
Esse sinistro empate talvez se deva, em grande medida, a uma mentira do governo George W. Bush, segundo quem havia armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, pretexto usado para invadir o país, dois anos após os atentados.
Essa é a hipótese implícita em um livro de recente lançamento, "Os fatos são subversivos", do sociólogo inglês Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na mídia europeia. Escreveu ele:
"Se tivéssemos conhecido os fatos sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam, ou simplesmente como eram frágeis as informações sobre elas, o Parlamento britânico talvez não tivesse aprovado a ida à guerra. Talvez os EUA tivessem hesitado. A história da década poderia ter sido diferente".
Poderia mesmo. A guerra no Iraque gerou efeitos paradoxais: criou um braço da Al Qaeda onde não havia e desviou esforços do território, o Afeganistão, que de fato oferecera refúgio a Bin Laden.
No fim de agosto, 15 atentados com carros-bomba em sete diferentes cidades foram uma demonstração de força da Al Qaeda no Iraque, grupo que se consolidou na esteira da balbúrdia pós-demolição do regime de Saddam.
"Os ataques sinalizam que diferentes células insurgentes espalhadas pelo norte e centro do Iraque podem coordenar ações para obter impacto adicional", analisa Michael Knights, do Instituto para Política do Oriente Próximo, de Washington. É óbvio que não dá para saber se, em vez de atacar o Iraque, os EUA tivessem concentrado esforços no Afeganistão/Paquistão, teriam vencido a guerra contra a Al Qaeda. Mas o êxito representado pela morte de Bin Laden indica que, no mínimo, poderia ter havido avanços.
Ou, ao menos, ter-se-ia reduzido a proliferação de células como a do Iraque. Até porque bom número de analistas diz que é incorreto assimilar o Taleban à Al Qaeda, ainda que tivesse dado abrigo a seus líderes, quando controlavam o Afeganistão. Essas análises apontam para diferença essencial: o Taleban tem agenda puramente local, no máximo regional, se se incluir o Afeganistão.

PARADOXO
Já a Al Qaeda busca uma guerra santa global contra os que considera infiéis. Um segundo paradoxo aparece nítido no ano que se lembra o décimo aniversário do 11 de Setembro. Bush, ao anunciar a "guerra contra o terror", queria também levar a democracia, pela força militar, ao mundo árabe, começando pelo Iraque.
Não levou. Mas, dez anos depois, o grito pela democracia sacode Oriente Médio/norte da África, inspirado não pelos EUA mas pela rua árabe, cansada das tiranias.
Paradoxo apontado por William McCants, da Johns Hopkins University: "Em 11 de setembro [de 2001], o movimento jihadista global explodiu na consciência mundial, mas uma década depois, graças em parte à Primavera Árabe e à morte de Bin Laden, está em crise. Com ditaduras pró-ocidentais caindo, a Al Qaeda poderia parecer mais perto do que nunca da meta de construir Estados islâmicos. Mas as revoluções deram força aos principais rivais do grupo, os islamitas que querem usar votos, não bombas".


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