São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2001

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COMENTÁRIO

É hora de ampliar nossa ação libertadora "incansável"

WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"

"Os Estados Unidos estão repletos de medo", vangloriou-se o jubiloso Osama bin Laden,em uma mensagem gravada em antecipação à nossa resposta pelo massacre de 6.000 pessoas. "Eles choram por seus filhos."
Em uma expressão entusiástica de seu orgulho pelo assassinato em massa, o fanático prometeu que "ninguém se sentirá seguro nos Estados Unidos",a menos que os norte-americanos se retirem das terras árabes. Ele a seguir identificou seus termos para a nossa rendição: a retirada dos judeus da Palestina e o fim da interferência dos Estados Unidos no Iraque.
Isso traz uma nota de clareza aos movimentos iniciais do conflito, ontem. Nenhum líder árabe vacilante pode continuar fingindo que duvida da culpa direta de Bin Laden pelos atentados utilizando aviões sequestrados. E, dado que os interesses dos terroristas do Oriente Médio são claramente os mesmos, o mundo não pode mais separar sua seita Al Qaeda dos terroristas do Hamas, do Hizbollah e da OLP [Organização para a Libertação da Palestina", que combatem contra Israel, e do centro mundial de terror em Bagdá dirigido por Saddam Hussein.
A estratégia do terrorismo mundial era provocar o Ocidente a um bombardeio e invasão do Afeganistão, causados pela indignação. Isso seria a seguir interpretado pelos mulás radicais como uma nova cruzada dos infiéis contra o islã, permitindo que as ruas árabes se tornassem corredores do poder.
Não vamos cair nesse truque. Cientes da derrota da União Soviética diante dos brutalizados afegãos nos anos 80, os Estados Unidos e o Reino Unido -líderes do mundo civilizado- estão na verdade promovendo uma guerra de libertação islâmica. Porque o regime do Taleban (não o chamamos "governo") não tem legitimidade diante da ONU, contamos com apoio mundial para "afeganizar" a guerra contra aqueles que dão abrigo a Bin Laden.
Vamos nos esforçar ao máximo pela divisão e derrota dos fanáticos. Nossas bombas contra os maus se alternarão com lançamentos de comida para os bons. Toda a nossa retórica envolverá o alinhamento com o oprimido povo afegão e com os muçulmanos não radicais em toda parte. Destruiremos as torres de rádio do Taleban, que transmitem propaganda do ódio, e reforçaremos nossas transmissões em idioma local de verdades opostas ao fanatismo.
Essa estratégia de libertação faz sentido. "Não se enfureça, desconte", não é a reação ocidental furiosa pela qual os fanáticos esperavam. Matanças frias e calmas não são nosso método predileto, mas precisamos nos adaptar para enfrentar um inimigo incomum que recebe a morte com agrado.
Mas uma segunda parte de nossa estratégia não faz sentido. Ao não ouvirmos direito -e levarmos a sério- a mensagem aberta de Bin Laden declarando seus propósitos, agimos como aqueles que, no passado, não leram ou levaram a sério o "Mein Kampf" [de Adolf Hitler".
Os propósitos declarados da rede terrorista são expulsar do Oriente Médio qualquer manifestação de democracia e direitos humanos, como Israel, e libertar o avatar do totalitarismo selvagem, Saddam Hussein, das sanções ocidentais. Não se trata apenas de metas populistas adotadas para conquistar a adesão dos fundamentalistas; são passos para obter armas de destruição em massa com as quais intimidar e dominar o mundo. Loucura? Hitler era louco também, mas quase venceu.
A parte problemática da nossa estratégia é a idéia de que podemos limitar a guerra de maneira ordenada. Assim, deixamos Hamas e Hizbollah, patrocinados pela Síria e pelo Irã, de fora da lista de grupos cujos ativos congelaremos. O secretário de Estado Colin Powell responde a essa crítica alegando que "eles estão em outra lista", o que é verdade, mas irrelevante. As novas restrições são mais severas; ao deliberadamente excluir as organizações de "caridade" que apóiam esses grupos que promovem atentados suicidas contra Israel, Powell espera construir pontes para Damasco e Teerã.
Isso isola e solapa Israel. E a decisão foi anunciada no momento em que "vazou" o plano para recompensar a violência árabe reconhecendo prematuramente o Estado palestino e, portanto, conferindo uma soberania que lhe permitiria importar armas e atrair novos fanáticos fugitivos. Pouco admira que Ariel Sharon tenha objetado a esse duplo parâmetro, que recusa negociações entre os Estados Unidos e os terroristas de Bin Laden, mas exige negociações entre Israel e os terroristas de Arafat.
Outro motivo para que não estreitemos demais os nossos alvos acaba de nos ser fornecido pelo vídeo provocativo de Bin Laden. Os norte-americanos "não se sentirão seguros" enquanto seu aliado, Saddam, estiver no poder, ganhando forças. Já que libertamos os tão sofridos afegãos, que sejamos igualmente "incansáveis" -expressão empregada pelo presidente George W. Bush- na libertação dos iraquianos oprimidos. É a mesma luta, contra o mesmo inimigo mortal.



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