São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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IMPRENSA

Juiz quer ver fonte de repórter do "Financial Times" que denunciou corrupção

Argentina quebra sigilo de jornalista

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Contrariando um artigo da Constituição argentina que garante o sigilo das fontes jornalísticas, a Justiça do país determinou a quebra do sigilo telefônico do correspondente em Buenos Aires do jornal britânico "Financial Times", transformando um caso de corrupção no Senado denunciado pelo jornal em agosto em um processo contra o jornalista.
Reportagens publicadas pelo jornal denunciavam um suposto pedido de propinas, de senadores a executivos de bancos estrangeiros no país, para votar contra um projeto de lei que criava uma taxa de 2% nas transações financeiras, a ser cobrada das instituições estrangeiras.
Ante a negativa dos diretores dos bancos envolvidos em confirmar a informação, o juiz federal Claudio Bonadío, responsável pela investigação do caso, determinou a quebra do sigilo telefônico de quatro diretores de bancos, dos 72 senadores e do jornalista Thomas Catán, correspondente do "FT" em Buenos Aires, para cruzar as ligações feitas por eles.
Na sexta-feira passada, um oficial de Justiça, acompanhado de dois policiais, esteve no escritório de Catán, sem um mandado judicial, para obter cópias das reportagens. Alguns executivos de bancos tiveram suas agendas apreendidas, para verificar se mantiveram encontros com o jornalista.
O caso provocou reações de organismos como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), o Instituto Internacional de Imprensa (IPI), a Repórteres sem Fronteiras, a Associação das Empresas Jornalísticas da Argentina (Adepa) e a Associação de Correspondentes Estrangeiros na Argentina, que rechaçam a ação do juiz Bonadío, a qual acusam de ameaçar a liberdade de imprensa no país.
"Essas ações prejudicam imensamente meu trabalho. Quem é que vai querer receber uma ligação minha ou me ligar sabendo que a Justiça vai registrar as ligações? Quem vai se reunir comigo, sabendo que a polícia pode chegar para apreender suas agendas e verificar com quem se encontraram?", questiona Catán.
Procurado pela Folha, o juiz Bonadío não respondeu aos recados em seu gabinete. Um assessor afirmou que ele não falaria sobre o caso enquanto as investigações estivessem em andamento.
Em um despacho no qual nega o pedido dos advogados do jornalista para destruir as informações sobre suas ligações, fornecidas pela companhia telefônica, Bonadío diz que ele não tem direito a fazer petições por não ser parte no processo, apenas testemunha.
Os senadores, por sua vez, passaram de acusados a acusadores, ameaçando processar os diretores dos bancos e Catán por "traição".
"Já aguardamos um tempo prudente e ninguém confirma a versão de Catán", afirmou o líder da bancada da União Cívica Radical (UCR) no Senado, Carlos Maestro. "Pelo contrário, as fontes que cita em seus artigos o desmentiram", disse, acusando ainda o "FT" de defender "os grandes interesses econômicos do mundo".
"Após dois anos na Argentina cobrindo a crise por que passa o país, verifico que ela tem uma raiz mais profunda, que tem a ver com a falta de instituições críveis, das quais a Justiça é a mais importante", afirma Catán. "Hoje, o sistema de Justiça na Argentina é uma ferramenta política, usada todos os dias assim", diz.


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