São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

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Droga ameaça estabilidade afegã

DA REDAÇÃO

Ao lado do crescente extremismo islâmico na região fronteiriça com o Paquistão, o cultivo e o tráfico de drogas, sobretudo de opiáceos, constitui a maior ameaça à estabilização político-institucional do Afeganistão, de acordo com analistas ouvidos pela Folha.
"O regime do Taleban era terrível, opressor etc. No que concerne ao cultivo e ao tráfico de drogas, todavia, a situação piorou muito no Afeganistão desde sua queda, em 2001", declarou Brad Davis, diretor para a Ásia da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch.
De fato, após a deposição do Taleban, que dava refúgio a Osama bin Laden e a seus asseclas da Al Qaeda -responsáveis pelo 11 de Setembro-, devido à invasão protagonizada pelos EUA, o cultivo de papoula (que é transformada em ópio e em heroína) explodiu no território afegão. Isso por conta da debilidade do controle do governo central -que, na prática, só gere a capital, Cabul- sobre o interior do país.
"No contexto "sem lei" das Províncias, os barões da droga voltaram a ditar as regras", apontou Morgan Courtney, especialista em Afeganistão do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
Em 1999, antes de o Taleban impor sua proibição ao cultivo de papoula, o Afeganistão produziu um recorde de 4.500 toneladas da planta. Em seguida, a campanha antidroga do governo extremista surtiu ótimos resultados, e a produção caiu para somente 185 toneladas em 2001. Desde então, entretanto, o cultivo explodiu, e o país deverá produzir entre 3.500 e 4.000 toneladas neste ano, de acordo com a ONU. Ou seja, cerca de 75% da produção global.
"Um dos maiores problemas é que a receita ilegal gerada pelo cultivo e pelo tráfico de drogas criou graves distorções econômicas. Assim, os opiáceos são hoje responsáveis por mais de um terço do total de riquezas produzidas no país. Ademais, a demanda por agricultores se tornou tão alta que os salários ficaram elevados demais para quem não planta papoula", avaliou Olivier Roy, do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França).
Segundo Davis, outro efeito deletério da droga na economia afegã é o fato de que trabalhar nas plantações de papoula é mais lucrativo do que para o governo. "Com isso, as obras públicas não são levadas adiante, e o dinheiro que chega ao país acaba sendo mal aproveitado. As estradas continuam em péssimo estado, e as escolas não são erigidas, atrasando a recuperação afegã."
Vale lembrar que as mais de duas décadas de guerra enfrentadas pelo país desde a invasão soviética, em 1979, deixaram os canais de irrigação em situação precária. Isso também influi no momento em que os agricultores optam pelo plantio de papoula, não de trigo, por exemplo. Afinal, a primeira requer muito menos água que o segundo, que seria uma boa alternativa à droga.

Risco de disseminação
De acordo com Roy, a "infiltração da cultura da droga no aparato de Estado é a maior ameaça" que paira sobre o Afeganistão. "Um grave risco é a disseminação da corrupção pelo governo. Isto é, parece cada vez mais claro que funcionários públicos graduados e até algumas figuras de ponta da administração de Hamid Karzai podem estar implicados no cultivo e no tráfico de drogas."
A recente campanha de Karzai contra alguns poderosos senhores da guerra, poderá, paradoxalmente, agravar a crise, visto que muitos deles aderem ao tráfico para manter sua esfera de influência e para aumentar seus lucros.
"O declínio dos senhores da guerra se traduz num fortalecimento dos barões da droga, que, muitas vezes, são as mesmas pessoas. Ou seja, muitos ex-comandantes de milícias se converteram em grandes senhores do tráfico de drogas", afirmou Roy.
Para Davis, a iniciativa do governo central contra os senhores da guerra ainda é "muito tímida" e precisa ser estendida aos narcotraficantes. Neste ano, de acordo com estimativas da ONU, o cultivo e a venda de opiáceos gerará uma receita de US$ 2,3 bilhões, enquanto a administração de Karzai só conseguirá arrecadar US$ 285 milhões em impostos.
Tudo indica, portanto, que a comunidade internacional precisa deixar de negligenciar a questão dos opiáceos. Como ressaltou Davis, o "tema mais urgente no Afeganistão hoje é a droga", não o risco de exacerbação do fundamentalismo religioso". (MSM)


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