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Droga ameaça estabilidade afegã
DA REDAÇÃO
Ao lado do crescente extremismo islâmico na região fronteiriça
com o Paquistão, o cultivo e o tráfico de drogas, sobretudo de opiáceos, constitui a maior ameaça à
estabilização político-institucional do Afeganistão, de acordo
com analistas ouvidos pela Folha.
"O regime do Taleban era terrível, opressor etc. No que concerne
ao cultivo e ao tráfico de drogas,
todavia, a situação piorou muito
no Afeganistão desde sua queda,
em 2001", declarou Brad Davis,
diretor para a Ásia da organização
de defesa dos direitos humanos
Human Rights Watch.
De fato, após a deposição do Taleban, que dava refúgio a Osama
bin Laden e a seus asseclas da Al
Qaeda -responsáveis pelo 11 de
Setembro-, devido à invasão
protagonizada pelos EUA, o cultivo de papoula (que é transformada em ópio e em heroína) explodiu no território afegão. Isso por
conta da debilidade do controle
do governo central -que, na prática, só gere a capital, Cabul- sobre o interior do país.
"No contexto "sem lei" das Províncias, os barões da droga voltaram a ditar as regras", apontou
Morgan Courtney, especialista
em Afeganistão do Projeto para
Reconstrução Pós-Conflito, do
Centro para Estudos Estratégicos
e Internacionais (EUA).
Em 1999, antes de o Taleban impor sua proibição ao cultivo de
papoula, o Afeganistão produziu
um recorde de 4.500 toneladas da
planta. Em seguida, a campanha
antidroga do governo extremista
surtiu ótimos resultados, e a produção caiu para somente 185 toneladas em 2001. Desde então, entretanto, o cultivo explodiu, e o
país deverá produzir entre 3.500 e
4.000 toneladas neste ano, de
acordo com a ONU. Ou seja, cerca
de 75% da produção global.
"Um dos maiores problemas é
que a receita ilegal gerada pelo
cultivo e pelo tráfico de drogas
criou graves distorções econômicas. Assim, os opiáceos são hoje
responsáveis por mais de um terço do total de riquezas produzidas
no país. Ademais, a demanda por
agricultores se tornou tão alta que
os salários ficaram elevados demais para quem não planta papoula", avaliou Olivier Roy, do
Centro de Estudos e de Pesquisas
Internacionais (França).
Segundo Davis, outro efeito deletério da droga na economia afegã é o fato de que trabalhar nas
plantações de papoula é mais lucrativo do que para o governo.
"Com isso, as obras públicas não
são levadas adiante, e o dinheiro
que chega ao país acaba sendo
mal aproveitado. As estradas continuam em péssimo estado, e as
escolas não são erigidas, atrasando a recuperação afegã."
Vale lembrar que as mais de
duas décadas de guerra enfrentadas pelo país desde a invasão soviética, em 1979, deixaram os canais de irrigação em situação precária. Isso também influi no momento em que os agricultores optam pelo plantio de papoula, não
de trigo, por exemplo. Afinal, a
primeira requer muito menos
água que o segundo, que seria
uma boa alternativa à droga.
Risco de disseminação
De acordo com Roy, a "infiltração da cultura da droga no aparato de Estado é a maior ameaça"
que paira sobre o Afeganistão.
"Um grave risco é a disseminação
da corrupção pelo governo. Isto é,
parece cada vez mais claro que
funcionários públicos graduados
e até algumas figuras de ponta da
administração de Hamid Karzai
podem estar implicados no cultivo e no tráfico de drogas."
A recente campanha de Karzai
contra alguns poderosos senhores da guerra, poderá, paradoxalmente, agravar a crise, visto que
muitos deles aderem ao tráfico
para manter sua esfera de influência e para aumentar seus lucros.
"O declínio dos senhores da
guerra se traduz num fortalecimento dos barões da droga, que,
muitas vezes, são as mesmas pessoas. Ou seja, muitos ex-comandantes de milícias se converteram
em grandes senhores do tráfico de
drogas", afirmou Roy.
Para Davis, a iniciativa do governo central contra os senhores
da guerra ainda é "muito tímida"
e precisa ser estendida aos narcotraficantes. Neste ano, de acordo
com estimativas da ONU, o cultivo e a venda de opiáceos gerará
uma receita de US$ 2,3 bilhões,
enquanto a administração de
Karzai só conseguirá arrecadar
US$ 285 milhões em impostos.
Tudo indica, portanto, que a comunidade internacional precisa
deixar de negligenciar a questão
dos opiáceos. Como ressaltou Davis, o "tema mais urgente no Afeganistão hoje é a droga", não o risco de exacerbação do fundamentalismo religioso".
(MSM)
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