São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

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ANÁLISE EUROPA

Madeira evidencia distorções que levaram Portugal à ruína

Ao resistir ao colonialismo de Lisboa, ilha reflete sentimento de todo o país


ILHA PODE ACABAR PROVOCANDO O COLAPSO QUE LISBOA TENTA EVITAR IMPONDO SACRIFÍCIOS FORMIDÁVEIS À POPULAÇÃO

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governador da ilha da Madeira, Alberto João Jardim, pode ser um irresponsável, um populista ou qualquer outro qualificativo negativo que se lhe queira aplicar, mas não está fazendo mais do que todo governante adoraria fazer, se pudesse: se ele ataca o que chama de "colonialismo de Lisboa", uma importante fatia dos portugueses gostaria de sacudir o "colonialismo" da chamada troika, ou seja, a coligação Fundo Monetário Internacional/Banco Central Europeu/União Europeia.
A troika de fato colocou Portugal sob intervenção, aceita pelo atual governo (conservador) como o fora pelo anterior (socialista), porque um e outro entenderam que a alternativa seria pior: levar o país a dar o calote na dívida.
João Jardim, que não precisa prestar contas à troika, vale-se dessa digamos independência para se recusar a operar os cortes em investimentos e em pessoal do setor público que o governo central aceitou.
É fácil de entender a rejeição à austeridade: o Banco de Portugal acaba de anunciar que a economia retrocederá 1,9% este ano e mais ainda (2,2%) em 2012. Alguma surpresa com o fato de que políticos prefiram obras à austeridade?
Dá até para dizer que a ilha da Madeira agiu como o anterior governo grego -outra das vítimas de intervenção externa: ocultou um buraco formidável nas suas contas (de € 1,8 bilhão).
Descoberta a maracutaia, a pequena ilha pode acabar provocando o colapso que Lisboa tenta evitar impondo sacrifícios formidáveis à população.
A situação da Madeira, de todo modo, serve para evidenciar uma das distorções que ajudaram a levar Portugal para o buraco: são mais de 4.500 governos locais, uma constelação de cidades e freguesias que recebem do governo central algo em torno de € 3,5 bilhões (contabilidade de 2010).
O caso mais emblemático de exagero nem é o da Madeira, mas o de Barcelos, que, com 124 mil habitantes, tem 89 governos locais -um para cada 1.390 residentes.
Entende-se, por isso, que o programa de austeridade imposto pela troika exija um corte de 6% no número de empregados das administrações locais e regionais, que somam 175 mil.
Se todos reagirem como a Madeira, Portugal quebra.


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