São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

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REI DA ILHA

Há 33 anos à frente da Madeira, Alberto João se mantém no poder desafiando Lisboa e gastando o que não tem

BRUNO FARIA LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LISBOA

Em 1978, ele prometeu à mulher, a maior opositora à sua entrada no governo, "que é só um mandato".
Em 82, anunciou numa entrevista que quer sair dois anos depois.
Em 89, admitiu: "A gente vai sentindo os anos".
Em 95, avisa para "depois de 2000" não contarem mais com ele.
Hoje, a concorrer de novo nas eleições, desafia: "Vamos ganhar mais uma vez".
Alberto João Jardim, 68, está há 33 anos à frente do governo da Madeira - arquipélago de Portugal no Atlântico conhecido pelo seu vinho generoso- e arrisca ser o político há mais tempo no poder em toda a União Europeia.
Se a Madeira fosse independente, como o polêmico Jardim reclama em tom de provocação, a sua longevidade caberia entre a de monarcas (como os 35 anos do rei espanhol Juan Carlos) e de ditadores (como os 32 anos de Ali Saleh, do Iêmen).
Hoje, Alberto João, como é tratado pelos cerca de 250 mil madeirenses, deve conquistar mais um mandato de quatro anos. "Jardim vai manter a maioria absoluta", prevê Rui Oliveira Costa, especialista em sondagem política.
Recentemente, a Madeira ganhou as manchetes internacionais, quando foi revelado € 1,8 bilhão (R$ 4,8 bi) de gastos públicos que Jardim escondeu das autoridades em Lisboa.
"Ilha fora de controle", titulou o jornal britânico "Financial Times". A dívida total supera 123% da economia do arquipélago.
Portugal está sendo socorrido por FMI e União Europeia e a revelação surgiu no pior momento. Sob pressão, Lisboa prometeu pôr a ilha numa longa dieta financeira.
Mas Jardim, defensor aberto de um presidencialismo forte para Portugal, não mostra sinais de ceder. "Enquanto eu não morrer, não paro com as obras e não vou afastar ninguém da administração pública", gritou há dias num comício, denunciado o "colonialismo de Lisboa".

FEUDALISMO
A dívida madeirense não é um problema novo. "Parte da gênese do jardinismo está na dívida, em fazer obra sem dinheiro", explica a jornalista Maria Henrique Espada, autora de uma biografia sobre ele.
Quando chegou ao poder em 1977, eleito pelo partido de centro-direita PSD, a Madeira era uma das regiões mais pobres de Portugal.
Só 10% da população tinha água canalizada. A agricultura estava ainda no feudalismo. O centralismo era total, longínquo e negligente.
"As menores coisas dependiam de Lisboa e isso destruiu sempre qualquer veleidade de desenvolvimento", aponta Guilherme Silva, deputado madeirense em Lisboa e amigo de juventude de Jardim.
Jardim anotou as carências e fez obras. A "pérola do Atlântico", que vive sobretudo do turismo, mudou de cara. Fez estradas e túneis na ilha montanhosa subtropical, escolas e centros de saúde.
Nascido numa influente família burguesa, Jardim faz a ponte entre elite e povo.

CARNAVAL DA MADEIRA
Sua popularidade foi sempre uma constante. Certa vez, no lançamento de uma marca de água, não se sentou até cumprimentar, uma a uma, as 6.000 pessoas presentes.
Em 1979, relançou o Carnaval na Madeira, uma tradição que tinha pouca expressão na ilha católica. Mais tarde, começou a desfilar e já apareceu sambando mascarado de tudo: rei, bombeiro ou zulu.
Em 1997, apareceu de cuecas na capa de um jornal, com uma citação em título: "Estou-me a cagar para Lisboa".
A máquina pública permeia toda a sociedade e economia madeirenses, empregando 36% da população.
Mas Lisboa sempre deu a Jardim aquilo que ele quis, mesmo quando as obras já incluíam marinas com taxa de ocupação zero ou estradas para servir apenas um punhado de casas. "Ele vale votos nas eleições nacionais e tem amigos há 30 anos no poder central", explica Espada.
O governo central perdoou várias vezes a dívida da Madeira, frustrando as tentativas de disciplinar os gastos.
Com reeleição à vista, Jardim já vai lançando bases para o próximo perdão, no estilo das últimas três décadas.
"Se Portugal vai resolver os problemas de todos os portugueses, vai ter que resolver os problemas da Madeira, porque se há dois países, então deem-nos a independência."


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