São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997.




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DIPLOMACIA
Líder russo vai à China em busca de 'mundo multipolar' e para assinar acordo sobre disputas territoriais
Ieltsin e Jiang se reúnem, de olho nos EUA

JAIME SPITZCOVSKY
enviado especial a Moscou

O presidente russo, Boris Ieltsin, começa hoje visita de três dias à China, em nova etapa de uma relação bilateral arquitetada também para enviar um recado aos Estados Unidos.
Moscou e Pequim estão deixando para trás disputas e desconfianças históricas e se aproximam com o objetivo de construir o que chamam de um mundo multipolar, ou seja, sem a atual hegemonia norte-americana.
No plano das relações bilaterais, o ponto alto da visita será a assinatura de um acordo responsável pelo fim das disputas territoriais existentes ao longo do 4.300 quilômetros de fronteira entre os dois países.
A Rússia, o maior país do mundo em área, e a China, o país mais populoso do planeta, argumentam que sua reaproximação não busca criar uma "aliança dirigida contra um terceiro país", mas pretende estimular a criação de uma nova ordem internacional, baseada em diversos pólos de poder.
Traduzindo a linguagem diplomática: Pequim e Moscou se sentem incomodadas com a hegemonia norte-americana, mas não pretendem (ou não podem) entrar em conflito direto com Washington, pois dependem dos investimentos norte-americanos para alimentar suas reformas pró-capitalismo.
Ieltsin desembarca em Pequim para a quinta reunião de cúpula sino-russa desde 1992. Na semana passada, ele se reuniu com o premiê japonês, Ryutaro Hashimoto, e tem planejada uma visita à Índia em janeiro do ano que vem.
Mudança de rumo
"O vetor oriental da diplomacia russa carrega a mesma importância que o vetor ocidental", afirmou Serguei Iastrjembski, porta-voz do governo.
A declaração descreve uma mudança de rumos em relação aos primeiros anos depois do fim da União Soviética, em 1991.
Naquela época, Ieltsin montou uma diplomacia voltada praticamente apenas para Washington. Decepcionado com os EUA, que temem ver a Rússia novamente fortalecida, o presidente russo passou a priorizar os laços com países europeus e asiáticos.
Por meio de sua aproximação com a Rússia, a China envia a seguinte mensagem aos EUA: caso vocês insistam em ditar condições para nossas relações políticas e econômicas, podemos buscar apoio e recursos em outros países.
Na visita aos EUA, encerrada semana passada, o presidente chinês, Jiang Zemin, arrancou vitória diplomática ao despontar como nova personalidade do cenário político mundial.
Também consolidou ainda mais, junto ao público internacional, sua posição de herdeiro de Deng Xiaoping, o arquiteto das reformas pró-capitalismo que transformam a China comunista numa potência em ascensão, morto em fevereiro passado.
Jiang, o primeiro líder chinês a visitar os EUA desde 1985, dedica-se nesta semana a reforçar a chamada diplomacia multipolar. No caso russo, haverá discussões sobre aumento de relações comerciais, além da assinatura do acordo de demarcação de fronteiras, cuja primeira parte foi assinada em 1991.
Pós-Guerra Fria
Embora não haja nenhum entendimento para criar uma aliança militar, a Rússia já se tornou o principal fornecedor de armamento para a China.
Os chineses precisam modernizar suas Forças Armadas, enquanto Moscou encontra na sua indústria bélica uma preciosa fonte de divisas estrangeiras.
Essa cooperação era impensável durante a Guerra Fria. A URSS e a China viveram uma lua-de-mel nos anos 50, mas romperam na década seguinte, entre outras coisas devido à disputa pelo comando do movimento comunista mundial.
Em 1969, houve um conflito armado localizado, por causa de disputa territorial. Nos anos 70, a China se aproximou dos EUA, para enfrentar o que chamava de "imperialismo socialista" de Moscou.
Uma visita histórica a Pequim do presidente soviético Mikhail Gorbatchov, em 1989, marcou o início da reaproximação entre os dois gigantes.



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