|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nos campos, falta água e sobra mosca
do enviado especial
A água, ou a falta dela, é o principal problema dos quatro campos
de refugiados saaraouis em território argelino -uma região árida e
com calor de até 60 graus no verão,
fora as tempestades de areia.
Eles ficam em um raio de 100 km
da cidade de Tindouf, último marco humano naquele canto do deserto do Saara. Levam os nomes
das cidades ocupadas pelos marroquinos: El-Aioun (a capital),
Smara, Ausset e Dajla.
A Folha visitou Smara (50 km de
Tindouf) na penúltima segunda-feira, acompanhada pela oficial
da ONU Naila el-Shishiny e por
autoridades saaraouis. São cerca
de 35 mil pessoas numa vasta área
rochosa e plana, com alguns trechos de areia e morros.
"Estudamos para viver no nosso
país", afirma Beni, 12 anos e aparência de 8 devido à má nutrição,
durante uma aula de espanhol na
escola local.
Espanhol é corrente nos campos
devido à antiga colonização, mas
as pessoas na faixa etária dos 35
anos não gostam de falar pela lembrança do domínio da Espanha
franquista. Esses adotaram o francês como segunda língua.
Hassani, um dialeto árabe, e o
árabe clássico, são as línguas maternas. Mas a constante integração
entre estudantes saaraouis e outros países fazem o inglês, o alemão e até o sueco serem relativamente fáceis de encontrar.
Cólera e comida
Em Smara, toda a água é distribuída por cisternas abastecidas
por caminhões-pipa que vêm de
Tindouf, onde há uma fonte menos contaminada. No campo, a alta salinidade inviabilizou a perfuração de poços.
"Nos outro campos, o problema
é a contaminação. O banheiro das
pessoas e dos animais é a natureza.
Agora, a ONU e a Oxfam (ONG
britânica) estão preparando um
novo sistema de poços para esses
locais", afirmou Naila.
A contaminação gerou até uma
epidemia de cólera com 40 suspeitas e 15 casos confirmados neste
ano. Quatro pessoas morreram e a
Argélia enviou equipes para limpar os poços e isolar os suspeitos,
mas o governo saaraoui se nega a
confirmar a história com medo de
má repercussão para sua causa.
A comida é escassa. Cada família
recebe rações mensais do que estiver disponível. Quando a reportagem esteve na região, os únicos
pratos eram sopas com lentilhas
do Echo (programa alimentar da
União Européia), arroz da ONU e
alguns ovos do governo argelino.
Desnutrição
Há um mês, a ONG italiana Cisp
encerrou um trabalho de avaliação
do perfil nutricional dos campos.
"Fizemos o trabalho e vimos que
46% das pessoas estão desnutridas", afirma o oficial Cristiano
Scramella, que mora em Rabuni.
E isso é visível em garotos como
Beni, que a exemplo dos nossos
desnutridos do Nordeste e periferias de capitais, não têm crescimento normal.
Bebe-se somente o chá verde,
tradicional da região, que é feito
dentro das casas. Ou tendas, uma
vez que 60% do campo é composto
por tendas de material perigosamente inflamável da ONU -o resto, de cubículos com tijolos feitos
com o solo local com a água que
raramente sobra.
Há poucos animais, a maioria
cabras e dromedários. Esses são
mais comuns em outros campos,
disse Mohammed Ali Bachir, um
dos raros homens na faixa dos 30
anos morando em Smara.
Cerca de 80% da população é
composta por mulheres e crianças.
Os homens estão no front hoje pacífico com o Marrocos ou em funções administrativas em Rabuni.
Moradia
Em cada tenda (ou casa), moram
de cinco a dez pessoas, em um espaço de 16 metros quadrados. Não
há nenhuma divisória e o fogareiro
a gás geralmente é a única peça diferente dos tapetes.
E há moscas. Essas são muitas
em toda a região, e as crianças ensinam o que fazer com elas. "Finja
que você é um camelo (dromedários na região). Eles não se importam", conta Djani, 8 anos, dando a
razão que coloca o tracoma (doença que ataca os olhos transmitida
por moscas) em segundo lugar na
lista de problemas de saúde pública de Smara.
Em primeiro estão as constantes
infecções alimentares, segundo
Mahreia Benabi, responsável pelo
hospital de Smara. Lá não há casos
graves, apenas fraturas, intoxicações e queimaduras.
Quando a Folha esteve no local,
uma mulher estava prestes à dar à
luz. "Se tudo der certo, essa criança vai morar em um lugar melhor", afirmou Mahreia.
(IG)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|