São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997.




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NAÇÃO NO EXÍLIO
Frente Polisario montou estrutura militar e administrativa para a eventualidade de formar uma nação
Saara Ocidental é país virtual no deserto

do enviado especial

Os saaraouis são um povo que, no exílio, passou quase 23 anos se preparando para montar um país.
Essa preparação não passou apenas pela questão militar, mas também pela criação de uma estrutura de governo e da formação de toda uma geração de administradores do futuro país -se é que ele irá existir.
A Frente Polisario (acrônimo de Popular para a Libertação de Saguia el-Hamma e do Rio do Ouro) surgiu em 1973 para, primeiro, combater o colonizador espanhol.
Com a decadência do regime do general Francisco Franco na Espanha, em 1974 os colonizadores abriram mão do território, rico em fosfato e com 70 mil habitantes.
Invasão
A morte de Franco, em 1975, acelerou o caos na região. O Polisario passou então a lutar contra o Marrocos, que dividiu com a Mauritânia o butim colonial com a aprovação do novo governo espanhol.
Em 1975-76, o governo do Marrocos invadiu o território, na chamada "Marcha Verde", alegando direitos históricos sobre a região. A guerra prosseguiu até 1991, 19 mil mortes depois, quando foi obtido um cessar-fogo (ver cronologia ao lado).
O presidente histórico do Saara Ocidental é Mohammed Abdelazir, cuja foto está pendurada em todos os escritórios governamentais e nas tendas dos xeques.
Mas o poder político é exercido na realidade pelo primeiro-ministro. A rotatividade do cargo é regra, com direito a disputas pelo poder como a que elegeu o atual ocupante, Mahfoud Alibeiba, no Congresso da Polisario de 1996.
Rabuni, a capital, fica a 25 km de Tindouf e tem 3.000 habitantes. É uma espécie de "oásis" para os que moram nos acampamentos -tem água encanada razoavelmente potável, energia elétrica fornecida por linhas de transmissão argelinas e TV por satélite.
Os ministérios (Saúde, Educação, Informação e Defesa) ficam em Rabuni. O centro de recepção para estrangeiros, onde a Folha foi hospedada por três dias, se localiza na cidade. É lá que os cerca de 20 membros de ONGs permanentemente na região moram.
Preparação
"Quando tudo isso estiver acabado, vamos instalar a Constituição que nossos advogados estão escrevendo", afirma Bashir Mohammed, 37, que trabalha para o Ministério da Educação.
Os campos contam com escolas primárias e secundárias. E quase todas as famílias mandam os filhos para estudar no exterior -sempre com o apoio de ONGs e governos.
Foi o caso de Mohammed, que passou 15 anos em Cuba, Espanha, Canadá e Suécia. "Não adianta ficar só lutando no front. Precisamos ter quadros para administrar o país quando formos livres."
Não existe estimativa precisa de quantos saaraouis estão estudando fora. Algumas autoridades falam em 5.000, outras menos.
Apoio cubano
Cuba é um dos países que mais recebe esses estudantes, uma herança dos anos 70, quando toda a Polisario pregava uma insurreição socialista e nacionalista que atraiu atenção de boa parte da esquerda mundo afora -embora a União Soviética nunca tenha reconhecido o Saara Ocidental como país, o que hoje ocorre em 70 nações.
"Isso é bom porque temos irmãos. Mas não quer dizer que vamos virar Cuba", afirmou Ali Salem, 26, que voltou no ano passado de uma temporada de 12 anos estudando espanhol e jornalismo em Santiago de Cuba.
Essa diversidade trouxe o multipartidarismo e a liberdade de expressão para a proposta de Constituição saaraoui, desenhada em 1991. Isso aproximou a causa de países europeus e dos EUA.
Os norte-americanos são os principais avalistas das negociações na região. Em 1991, o então secretário de Estado James Baker obteve os termos para o cessar-fogo entre Marrocos e a Polisario.
Só que nesse meio tempo os marroquinos já haviam completado o muro dividindo a área livre da ocupada do Saara Ocidental.
Cronograma
Os acordos assinados em Houston prevêem a repatriação dos refugiados nas áreas sob controle da Polisario mas também nas áreas marroquinas. "O problema para nós, que teremos de contar esse povo todo, é que o Marrocos colonizou à força a área ocupada com marroquinos", diz Naila el-Shishiny, oficial de campo da ONU.
De 1975 para cá, o governo do rei Hassan 2º pôs cerca de 600 mil marroquinos na região ocupada, rica em fosfato. Mas ainda há famílias saaraouis em toda a área.
O acordo de 1991 previa a contagem dos eleitores em 1994-6 pela ONU. Ela ocorreu parcialmente, o que obrigou renegociação. Na metade deste mês, o secretário-geral do órgão, Kofi Annan, deverá divulgar o cronograma da questão.
A idéia é a de começar a repatriação dos refugiados e realizar sua recontagem até maio. Depois, até a metade de 1998, realizar o referendo no qual os saaraouis poderão escolher a independência ou a integração ao Marrocos.
Tudo isso sob, possivelmente, uma força de paz da ONU para garantir o processo.
"Nossa missão é dar condições para que isso aconteça. Mas me parece muito difícil que tudo dê certo", resume Naila, que por motivos diplomáticos não pode dizer o que é corrente nos acampamentos: Marrocos não irá aceitar passivamente a devolução das terras que explora.
(IGOR GIELOW)



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