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NAÇÃO NO EXÍLIO
Frente Polisario montou estrutura militar e administrativa para a eventualidade de formar uma nação
Saara Ocidental é país virtual no deserto
do enviado especial
Os saaraouis são um povo que,
no exílio, passou quase 23 anos se
preparando para montar um país.
Essa preparação não passou apenas pela questão militar, mas também pela criação de uma estrutura
de governo e da formação de toda
uma geração de administradores
do futuro país -se é que ele irá
existir.
A Frente Polisario (acrônimo de
Popular para a Libertação de Saguia el-Hamma e do Rio do Ouro)
surgiu em 1973 para, primeiro,
combater o colonizador espanhol.
Com a decadência do regime do
general Francisco Franco na Espanha, em 1974 os colonizadores
abriram mão do território, rico em
fosfato e com 70 mil habitantes.
Invasão
A morte de Franco, em 1975, acelerou o caos na região. O Polisario
passou então a lutar contra o Marrocos, que dividiu com a Mauritânia o butim colonial com a aprovação do novo governo espanhol.
Em 1975-76, o governo do Marrocos invadiu o território, na chamada "Marcha Verde", alegando
direitos históricos sobre a região.
A guerra prosseguiu até 1991, 19
mil mortes depois, quando foi obtido um cessar-fogo (ver cronologia ao lado).
O presidente histórico do Saara
Ocidental é Mohammed Abdelazir, cuja foto está pendurada em
todos os escritórios governamentais e nas tendas dos xeques.
Mas o poder político é exercido
na realidade pelo primeiro-ministro. A rotatividade do cargo é regra, com direito a disputas pelo
poder como a que elegeu o atual
ocupante, Mahfoud Alibeiba, no
Congresso da Polisario de 1996.
Rabuni, a capital, fica a 25 km de
Tindouf e tem 3.000 habitantes. É
uma espécie de "oásis" para os
que moram nos acampamentos
-tem água encanada razoavelmente potável, energia elétrica
fornecida por linhas de transmissão argelinas e TV por satélite.
Os ministérios (Saúde, Educação, Informação e Defesa) ficam
em Rabuni. O centro de recepção
para estrangeiros, onde a Folha foi
hospedada por três dias, se localiza
na cidade. É lá que os cerca de 20
membros de ONGs permanentemente na região moram.
Preparação
"Quando tudo isso estiver acabado, vamos instalar a Constituição que nossos advogados estão
escrevendo", afirma Bashir Mohammed, 37, que trabalha para o
Ministério da Educação.
Os campos contam com escolas
primárias e secundárias. E quase
todas as famílias mandam os filhos
para estudar no exterior -sempre
com o apoio de ONGs e governos.
Foi o caso de Mohammed, que
passou 15 anos em Cuba, Espanha,
Canadá e Suécia. "Não adianta ficar só lutando no front. Precisamos ter quadros para administrar
o país quando formos livres."
Não existe estimativa precisa de
quantos saaraouis estão estudando fora. Algumas autoridades falam em 5.000, outras menos.
Apoio cubano
Cuba é um dos países que mais
recebe esses estudantes, uma herança dos anos 70, quando toda a
Polisario pregava uma insurreição
socialista e nacionalista que atraiu
atenção de boa parte da esquerda
mundo afora -embora a União
Soviética nunca tenha reconhecido o Saara Ocidental como país, o
que hoje ocorre em 70 nações.
"Isso é bom porque temos irmãos. Mas não quer dizer que vamos virar Cuba", afirmou Ali Salem, 26, que voltou no ano passado de uma temporada de 12 anos
estudando espanhol e jornalismo
em Santiago de Cuba.
Essa diversidade trouxe o multipartidarismo e a liberdade de expressão para a proposta de Constituição saaraoui, desenhada em
1991. Isso aproximou a causa de
países europeus e dos EUA.
Os norte-americanos são os
principais avalistas das negociações na região. Em 1991, o então
secretário de Estado James Baker
obteve os termos para o cessar-fogo entre Marrocos e a Polisario.
Só que nesse meio tempo os marroquinos já haviam completado o
muro dividindo a área livre da
ocupada do Saara Ocidental.
Cronograma
Os acordos assinados em Houston prevêem a repatriação dos refugiados nas áreas sob controle da
Polisario mas também nas áreas
marroquinas. "O problema para
nós, que teremos de contar esse
povo todo, é que o Marrocos colonizou à força a área ocupada com
marroquinos", diz Naila el-Shishiny, oficial de campo da ONU.
De 1975 para cá, o governo do rei
Hassan 2º pôs cerca de 600 mil
marroquinos na região ocupada,
rica em fosfato. Mas ainda há famílias saaraouis em toda a área.
O acordo de 1991 previa a contagem dos eleitores em 1994-6 pela
ONU. Ela ocorreu parcialmente, o
que obrigou renegociação. Na metade deste mês, o secretário-geral
do órgão, Kofi Annan, deverá divulgar o cronograma da questão.
A idéia é a de começar a repatriação dos refugiados e realizar sua
recontagem até maio. Depois, até a
metade de 1998, realizar o referendo no qual os saaraouis poderão
escolher a independência ou a integração ao Marrocos.
Tudo isso sob, possivelmente,
uma força de paz da ONU para garantir o processo.
"Nossa missão é dar condições
para que isso aconteça. Mas me
parece muito difícil que tudo dê
certo", resume Naila, que por motivos diplomáticos não pode dizer
o que é corrente nos acampamentos: Marrocos não irá aceitar passivamente a devolução das terras
que explora.
(IGOR GIELOW)
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