São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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WORLD TRADE CENTER

Grávidas que perderam os maridos em 11 de setembro vivem sentimento dúbio de alegria e tristeza

Mulheres esperam filhos órfãos de pai

MIREYA NAVARRO
DO "THE NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

Depois de três gravidezes que não foram para a frente, José e Paulina del Carmen Cardona estavam eufóricos no final do verão, quando os meses se sucediam e cada consulta com o médico do pré-natal lhes trazia apenas boas notícias sobre o bebê.
"Pergunte ao médico se é realmente menino", disse Cardona naquela manhã de setembro, quando a mulher se arrumava para ir ao médico e ele partia para fazer seu turno, das 7h30 às 15h30, de escriturário na Carr Futures, no World Trade Center.
O bebê é menino, sim, e seu nascimento está previsto para janeiro. Mas, ao lado da alegria, será ocasião, também, de tristeza quase insuportável. Paulina Cardona estava fazendo um exame médico quando uma enfermeira entrou na sala para anunciar que um segundo avião se chocara com as torres gêmeas. O marido dela foi uma das milhares de pessoas que desapareceram.
Agora Paulina é uma das dezenas de viúvas que equilibram nascimento com morte, indagando-se com quem ela vai gritar ou em quem vai segurar, buscando apoio, durante o parto. Ou, ainda, como ela vai fazer quando a criança varar a noite chorando e o que ela dirá, anos depois, quando seu filho lhe perguntar sobre o pai que jamais terá conhecido.
"Eu o sinto chutando aqui dentro. Fico feliz, mais depois me sinto triste", contou Cardona, 33, falando do filho que leva no ventre. "Quando estou triste demais, rezo a Deus, pedindo que me torne forte como uma rocha. Mas às vezes eu não aguento. Choro muito."
As organizações que prestam assistência aos sobreviventes das vítimas dos ataques, como a Cruz Vermelha e o Fundo de Órfãos das Torres Gêmeas, dizem não saber ao certo quantos dos mortos deixaram viúvas grávidas, mas acredita-se que seja um número substancial. A maioria das vítimas do World Trade Center era formada por homens na casa dos 30 ou 40 anos, muitos casados.
Algumas das viúvas dizem ter consciência de que muitas pessoas as vêem com pena, até mesmo horror. "As pessoas olhavam para mim e começavam a chorar", contou Jennifer Brennan, 31 anos, de Westchester County, Nova York, que estava grávida de sete meses quando perdeu o marido, Thomas, banqueiro de investimentos com a Sandler O'Neill & Partners. Brennan conta que, nos dias que se seguiram aos ataques, "fiquei praticamente em prisão domiciliar, porque ninguém queria me deixar sozinha. As pessoas achavam que eu entraria em trabalho de parto".
Brennan, que também tem uma filha de 20 meses de idade, mal tinha desfeito as malas -tinha se mudado para uma casa nova em agosto. Agora, tendo ao lado o filho Thomas Jr., nascido em 24 de outubro, ela pretende mudar de novo, desta vez para mais perto de sua família. O bebê precisou ser submetido a uma cirurgia cardíaca depois de nascer, mas se recuperou bem, diz ela.
No entanto, por mais que sua situação seja difícil, ela e outras viúvas disseram que se sentem abençoadas por ter seus bebês.
Kimberly Young Statkevicus, 31 anos, de Norwalk, Connecticut, espera seu filho para janeiro e disse estar feliz porque seu filho mais velho terá um irmãozinho. Ela conta que foi difícil chorar a morte de seu marido, Derek, analista de ações que trabalhava para a Keefe, Bruyette & Woods, porque ela estava tentando ficar forte diante de Tyler, 15 meses de idade, que pegou o hábito de tirar o retrato do pai da estante e beijá-lo.
"Embora algumas pessoas achem minha situação terrível -dois filhos com apenas um ano e meio de diferença em suas idades, sem pai-, acho uma bênção que eles terão um ao outro", contou Statkevicus. Mesmo assim, ela disse que é realista. "Acho que vai ser mais difícil quando o nenê nascer", explicou. "Afinal, vou encarar a parada sozinha."
Sonia Morron, 41 anos, perdeu seu marido, o segurança Jorge, quando estava grávida de três meses, e disse que, depois dos ataques, o bebê era a única alegria de sua vida. Sua gravidez já era considerada de alto risco, e, pouco depois de 11 de setembro, ela começou a sofrer ataques de pânico e pesadelos que a deixavam tremendo e encharcada de suor gelado. Um dia ela chegou a ficar cega por alguns segundos. "Eu dizia a meu filho: "Papai não está conosco, mas você, sim. Não vá embora, você é a melhor coisa que tenho"."
Mas, no dia 4 de outubro, ela perdeu o bebê. "Me senti como se outra torre tivesse caído em cima de mim", disse Morron. Ela fez questão de um enterro completo, porque, como explicou, "naquele pedacinho de ser humano meu marido está presente". Mandou rezar uma missa para seu marido e o "bebê Morron", como diziam os cartões, e ergueu um túmulo onde visita a ambos.


Tradução de Clara Allain


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