São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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Afegãos relatam bombardeios americanos contra povoados civis

RICHARD LLOYD PARRY
DO "THE INDEPENDENT", EM JALALABAD

Milhares de afegãos estão abandonando suas casas no leste do país para fugir dos ataques aéreos dos EUA a povoados civis, que já deixaram centenas de mortos.
Por várias noites seguidas, aviões de combate americanos que participam da caçada aos combatentes da Al Qaeda nas Montanhas Brancas também bombardearam aldeias vizinhas, matando e ferindo um número desconhecido de pessoas e forçando milhares a fugir para a capital regional, Jalalabad.
Refugiados que chegavam a Jalalabad relataram ter testemunhado explosões nas vilas de Nadaf, Zaly Baba, Ghaly Khiel, Musa Khiel e Armat Khiel. Todos concordaram em dizer que os povoados estão cada vez mais vazios, à medida que mais e mais famílias fogem, carregando o que podem nas costas.
"As bombas caíram sobre Armat Khiel esta manhã [quarta-feira"", disse o lavrador Nawab, 35, que acabava de chegar a Jalalabad num caminhão verde, ao lado de 80 outros membros de sua comunidade.
"Ficava a 500 metros de nossa aldeia, e todas as casas de lá foram atingidas. Não sabemos quantas pessoas morreram, mas eu vi corpos de pessoas e animais no chão. Por que os americanos lançam bombas sobre nós, quando seus inimigos são os árabes que estão nas montanhas?", perguntou o lavrador.

Alvos "legítimos"
O Pentágono insiste que visa apenas alvos militares legítimos ligados à rede Al Qaeda e a resquícios do Taleban.
Mas, em dois dos povoados bombardeados visitados pelo "The Independent", a população local negou que houvesse esse tipo de alvo por lá.
Não havia qualquer sinal de atividade militar nem dos bunkers de concreto que o Pentágono afirmou ter destruído.
Um porta-voz das Forças Armadas americanas, o major Brad Lowell, disse na segunda-feira que a localização dos povoados corresponde exatamente ao local das estruturas de comando e controle do Taleban, feitas de concreto.
"Temos certeza de que são alvos militares", disse ele. "São diferentes de qualquer coisa que se vê em áreas residenciais afegãs. Se o Taleban e a Al Qaeda estão levando familiares de civis para essas áreas, então os estão colocando em risco."

Galinhas
Indagado sobre baixas civis, o secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, respondeu: "É praticamente impossível conseguir informações precisas".
Durante o dia inteiro de quarta-feira, caminhões carregados de camas, mesas, cadeiras, galinhas, sacos de alimentos, roupas e dezenas de pessoas chegaram a Jalalabad, sacolejando, após uma viagem de três horas, vindos das aldeias nos contrafortes das Montanhas Brancas.
"Vimos incontáveis bombas caindo sobre as Montanhas Brancas, mas eles também bombardearam nosso distrito", disse um lavrador chamado Mir Jan, 28, que deixou sua casa no povoado de Landi Khiel, acompanhado de seis familiares adultos e 11 crianças.
"Foi uma bomba tão grande que quebrou nossas janelas e portas. Os fragmentos de vidro entraram na casa, a casa tremeu, e todos meus filhos gritaram por socorro. Partimos apenas por causa das bombas."
Entrevistas feitas com refugiados em Jalalabad apontam para um quadro de esvaziamento demográfico em grande escala. Segundo Jan, havia 2.500 pessoas em Landi Khiel antes dos últimos bombardeios americanos. Hoje, só restam 200.
"Não sei o número exato de pessoas que havia em nosso povoado, mas a maioria das casas foi abandonada", disse o agricultor Sher Nabi, 30, do povoado Zara Kili. "Às vezes elas são ocupadas por pessoas de outros povoados que sofreram bombardeios ainda piores."

Miséria
Se a mesma coisa tiver acontecido em toda a região, então vários milhares de pessoas já devem ter deixado suas casas, trocando a vida difícil na lavoura pela quase total miséria em Jalalabad.
"Não tenho dinheiro nenhum além de 2.000 afeganis [cerca de 3 centavos de dólar" em meu bolso", disse Mir Jan. "Mas esta é a única esperança de salvar meus filhos."
Rumsfeld acusou combatentes estrangeiros da Al Qaeda de impedir soldados afegãos de depor suas armas. Civis estão presos na cidade, disse ele. "Na realidade, estão usando a população civil como escudo", disse Rumsfeld.


Tradução de Clara Allain


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