São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VENEZUELA

Com popularidade em queda, presidente enfrenta amanhã, durante o locaute dos empresários, seu maior teste

Protesto contra Chávez divide Caracas

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vive seu pior momento em três anos de governo e classificou dezembro como o "mês da batalha". A "batalha", porém, é principalmente de ruídos.
Os opositores fazem um "panelaço" sempre que o presidente fala pela televisão, e os aliados retribuem com foguetórios. O risco é começar a pancadaria nas ruas.
Caracas, hoje, é uma cidade conflagrada. Os líderes da poderosa Fedecámaras (a principal central patronal) obtiveram apoio da CVT (a maior confederação de trabalhadores) para o "paro" (locaute) que convocaram para todo o país amanhã. Os partidários de Chávez reagem com focos de manifestações por toda parte.
As relações de Chávez com os empresários nunca foram boas, mas pioraram de vez com a edição principalmente de três das 49 leis aprovadas em regime especial que o Congresso concede ao presidente. Foram as leis da reforma agrária, da pesca e do petróleo.
A lei da reforma agrária estabelece um recadastramento geral de terras, pois Chávez desconfia que muitos latifúndios foram na verdade forjados. E permite a expropriação no caso de terras improdutivas acima de 5.000 hectares.
A lei da pesca veta o uso do sistema de "arrastão" porque ele não respeita filhotes e espécies em épocas reprodutivas.
E a reforma do petróleo garante a participação do Estado em 51% de todas as atividades relacionadas ao óleo, desde a exploração até o refino, e aumenta os royalties pagos ao governo.
As críticas empresariais são duas. Uma, de ordem política: Chávez estaria sendo "autoritário" ao tomar decisões drásticas sem consultas reais à sociedade nem votações com quóruns tradicionais no Congresso. Outra, de ordem econômica: julgam que seus interesses estão sendo prejudicados e que o presidente assusta os investidores internacionais.
Se os empresários fecham suas fábricas em sinal de protesto por 12 horas amanhã, Chávez continua recorrendo à sua declinante, mas ainda robusta, popularidade.
Segundo pesquisa do Instituto Venezuelano de Análise de Dados, a gestão do presidente tem 4,3% de excelente, 15,4% de boa e 34,8% de regular a boa. Tudo somado, são 54,5% de aprovação.
Para os adversários, Chávez está em franco declínio: ao tomar posse, em fevereiro de 1999, tinha 90% de aprovação. Para os aliados, ele mantém um índice invejável para um governante há três anos no poder. Questão de ótica.
Ontem, Chávez reuniu centenas de representantes indígenas (até do Acre, no Brasil) no Panteão da Pátria, centro da cidade. Hoje, é a vez dos camponeses. Amanhã, dia do seu grande teste, ele pretende colocar nas ruas partidários com chapéus vermelhos e bandeiras do país. E, nos ares, aviões sobrevoando a capital, sob pretexto do Dia Nacional da Aviação.
Faixas principalmente simpáticas a Chávez colorem as ruas próximas ao Congresso e ao palácio presidencial: "Por Deus! Deixem o presidente trabalhar", "Contra a conspiração", "O povo exige estado de exceção".
A grande preocupação, sobretudo da poderosa Igreja Católica local, crítica de Chávez, era com confrontos abertos entre os dois grupos. Líderes da igreja pedem que os cidadãos exerçam seu "legítimo direito de manifestação" sem violência. Chávez assumiu um discurso de pacificação, conclamando "ao entendimento e ao diálogo" e pedindo um recuo da Fedecámaras. Em vão.
O presidente da entidade, Pedro Carmona, pede uma "retificação de rumos" e acusa o governo de "trilhar um caminho que leva à miséria e ao desemprego".
A Venezuela deve repetir neste ano o crescimento de 3,2% do ano passado, apesar das crises internacionais e da queda do preço do petróleo, responsável por mais de 70% da economia do país.
Em setembro de 2000, o barril do petróleo do tipo brent (cru) custava US$ 34,50 em Londres. Está, agora, em US$ 19,29. Mas, segundo Chávez, se ficar em US$ 20 já é suficiente para manter a perspectiva de mais de 3% de crescimento neste ano.
A crise, portanto, é principalmente nas relações entre um empresariado mal-acostumado e um presidente que se julga dono da verdade. Nem ele aceita a elite, nem é aceito por ela.



Texto Anterior: Disputa deverá ser violenta, diz analista
Próximo Texto: Comentário: Conflito na Venezuela tem sabor de século passado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.