São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Artigo

Kirchner deixa conquistas e problemas

ROSENDO FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo do presidente Néstor Kirchner passará à história como o primeiro governo bem-sucedido após a maior crise socioeconômica da história argentina, mas com alguns claros-escuros.
O mais positivo do governo foi que ele reconstituiu o poder político presidencial, debilitado pela crise de 2001-2002, e soube aproveitar o crescimento econômico gerado pelos bons preços das commodities e responder às demandas da opinião pública. A economia cresceu por duas razões: o efeito rebote após a maior crise da história e o contexto externo favorável, pelo qual todos os países cresceram nos últimos quatro anos, em particular os emergentes exportadores de matérias-primas.
Mas também é certo que Kirchner não cometeu erros que o impediriam de aproveitar as boas condições.
O negativo de Kirchner foi que aumentou o desequilíbrio de poderes a favor do Executivo; diminuiu a pobreza, mas não a desigualdade, e não se conseguiu uma plena reinserção da Argentina no plano internacional.
Durante seu mandato, aprofundou-se a crise dos partidos tradicionais, que começou em 1993 com o Pacto de Olivos [pelo qual o ex-presidente Raúl Alfonsín e o então presidente Carlos Menem mudaram a Constituição para permitir a reeleição] deixou a União Cívica Radical sem credibilidade como força opositora.
Essa crise aprofundou-se nas eleições legislativas de 2001, com o "voto bronca" (nulo), e se expressou na eleição presidencial de 2003, quando o peronismo se apresentou dividido em três candidaturas (Menem, Kirchner e Rodríguez Saá) e o radicalismo em outras três (López Murphy, Elisa Carrió e Leopoldo Moreau).
Com Kirchner, esse processo continuou a aprofundar-se, sobretudo no caso do radicalismo. Tanto é que a eleição presidencial de 28 de outubro mostrou que pela primeira vez esse partido não apresentou candidato a presidente, enquanto que três provenientes do peronismo (Cristina Kirchner, Roberto Lavagna e Alberto Rodríguez Saá) reuniram três quartos dos votos.
A sucessão de denúncias de corrupção dos últimos meses afetou o governo, mas não o suficiente para que ele não ganhasse a eleição. Em março, obteria 60% dos votos e, nas urnas, teve 45%. O oficialismo perdeu, portanto, 15% em sete meses. As denúncias de corrupção foram uma das causas, mas a oposição não soube aproveitar essa situação. Mesmo assim, o oficialismo ganhou no primeiro turno, com mais de 20 pontos de vantagem sobre a segunda colocada.
Se a oposição não pôde consolidar-se, é porque o partido que sempre foi o eixo frente ao peronismo, a UCR, está desarticulado e não há um líder que se imponha claramente sobre os outros.

Problemas
Kirchner deixa à mulher problemas relevantes sem resolver, gerados durante o seu mandato, como a inflação e o déficit energético; mas também um superávit fiscal, incrementado pelo aumento dos impostos às exportações agropecuárias e aos que impôs à energia, que outorgam à sucessora uma margem de autonomia econômica para 2008.
Em um governo de Cristina, a mudança relevante será de estilo em matéria diplomática. Porém, na política externa, na política interna e na econômica, predominará mais continuidade que mudança, como ratificou a composição do seu gabinete.
O Mercosul será o primeiro palco internacional de Cristina, dado que assume sua presidência temporária.
Sobre sua política regional, como fez o seu marido, seguirá oscilando entre Brasil e Venezuela, apesar da derrota de Chávez no referendo. De fato, no mesmo dia em que a presidente eleita visitava Brasília em gesto de aproximação, a Venezuela voltava a comprar US$ 500 milhões em bônus argentinos.
Quanto ao conflito com o Uruguai pelas papeleiras, o momento mais difícil será o começo do governo de Cristina, já que a Botnia começou a operar. É possível que a partir de meados de 2008 o conflito diminua, quando se vir que as conseqüências da papeleira não serão tão catastróficas como anunciaram os ativistas.

ROSENDO FRAGA é analista político argentino e diretor do centro de estudos União para a Nova Maioria

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