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Artigo
Kirchner deixa conquistas e problemas
ROSENDO FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O governo do presidente
Néstor Kirchner passará à
história como o primeiro governo bem-sucedido após a
maior crise socioeconômica
da história argentina, mas
com alguns claros-escuros.
O mais positivo do governo
foi que ele reconstituiu o poder político presidencial, debilitado pela crise de 2001-2002, e soube aproveitar o
crescimento econômico gerado pelos bons preços das
commodities e responder às
demandas da opinião pública. A economia cresceu por
duas razões: o efeito rebote
após a maior crise da história
e o contexto externo favorável, pelo qual todos os países
cresceram nos últimos quatro anos, em particular os
emergentes exportadores de
matérias-primas.
Mas também é certo que
Kirchner não cometeu erros
que o impediriam de aproveitar as boas condições.
O negativo de Kirchner foi
que aumentou o desequilíbrio de poderes a favor do
Executivo; diminuiu a pobreza, mas não a desigualdade, e não se conseguiu uma
plena reinserção da Argentina no plano internacional.
Durante seu mandato,
aprofundou-se a crise dos
partidos tradicionais, que começou em 1993 com o Pacto
de Olivos [pelo qual o ex-presidente Raúl Alfonsín e o então presidente Carlos Menem mudaram a Constituição para permitir a reeleição] deixou a União Cívica
Radical sem credibilidade
como força opositora.
Essa crise aprofundou-se
nas eleições legislativas de
2001, com o "voto bronca"
(nulo), e se expressou na
eleição presidencial de 2003,
quando o peronismo se apresentou dividido em três candidaturas (Menem, Kirchner
e Rodríguez Saá) e o radicalismo em outras três (López
Murphy, Elisa Carrió e Leopoldo Moreau).
Com Kirchner, esse processo continuou a aprofundar-se, sobretudo no caso do
radicalismo. Tanto é que a
eleição presidencial de 28 de
outubro mostrou que pela
primeira vez esse partido
não apresentou candidato a
presidente, enquanto que
três provenientes do peronismo (Cristina Kirchner,
Roberto Lavagna e Alberto
Rodríguez Saá) reuniram
três quartos dos votos.
A sucessão de denúncias
de corrupção dos últimos
meses afetou o governo, mas
não o suficiente para que ele
não ganhasse a eleição. Em
março, obteria 60% dos votos e, nas urnas, teve 45%.
O oficialismo perdeu, portanto, 15% em sete meses. As
denúncias de corrupção foram uma das causas, mas a
oposição não soube aproveitar essa situação. Mesmo assim, o oficialismo ganhou no
primeiro turno, com mais de
20 pontos de vantagem sobre a segunda colocada.
Se a oposição não pôde
consolidar-se, é porque o
partido que sempre foi o eixo
frente ao peronismo, a UCR,
está desarticulado e não há
um líder que se imponha claramente sobre os outros.
Problemas
Kirchner deixa à mulher
problemas relevantes sem
resolver, gerados durante o
seu mandato, como a inflação e o déficit energético;
mas também um superávit
fiscal, incrementado pelo aumento dos impostos às exportações agropecuárias e
aos que impôs à energia, que
outorgam à sucessora uma
margem de autonomia econômica para 2008.
Em um governo de Cristina, a mudança relevante será
de estilo em matéria diplomática. Porém, na política
externa, na política interna e
na econômica, predominará
mais continuidade que mudança, como ratificou a composição do seu gabinete.
O Mercosul será o primeiro palco internacional de
Cristina, dado que assume
sua presidência temporária.
Sobre sua política regional,
como fez o seu marido, seguirá oscilando entre Brasil e
Venezuela, apesar da derrota
de Chávez no referendo. De
fato, no mesmo dia em que a
presidente eleita visitava
Brasília em gesto de aproximação, a Venezuela voltava a
comprar US$ 500 milhões
em bônus argentinos.
Quanto ao conflito com o
Uruguai pelas papeleiras, o
momento mais difícil será o
começo do governo de Cristina, já que a Botnia começou
a operar. É possível que a
partir de meados de 2008 o
conflito diminua, quando se
vir que as conseqüências da
papeleira não serão tão catastróficas como anunciaram os ativistas.
ROSENDO FRAGA é analista político argentino e diretor do centro de estudos União para a Nova Maioria
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