São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 2006

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ÁSIA

De acordo com periódico médico britânico, até 10 milhões de meninas podem ter sido abortadas desde a década de 80

Aborto de fetos femininos foi maciço na Índia, diz estudo

ASHOK SHARMA
DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA DÉLI

Um estudo publicado no mais respeitado periódico médico britânico, o "Lancet", indica que até 10 milhões de fetos do sexo feminino podem ter sido abortados na Índia nos últimos 20 anos, após a realização de exames pré-natais para a verificação do sexo dos bebês. Segundo o estudo, publicado ontem, menos meninas nasceram de casais que ainda não tinham tido um filho homem.
O periódico afirma que os pesquisadores estudaram dados sobre fertilidade feminina de uma pesquisa nacional indiana, ainda em andamento, realizada com 6 milhões de pessoas em 1,1 milhão de famílias.
Analisando informações relativas a aproximadamente 134 mil nascimentos, os cientistas constataram que, entre os casais cujo primeiro filho tinha sido menina, a probabilidade de terem uma segunda menina era menor e que o déficit no número de meninas entre o segundo filho dos casais era mais de duas vezes maior entre as mães instruídas do que entre as analfabetas.
Baseados em índices naturais de gênero obtidos de outros países, eles estimaram que entre 13,6 milhões e 13,8 milhões de meninas deveriam ter nascido na Índia em 1997. Entretanto foram registrados apenas 13,1 milhões de nascimentos de meninas.
O estudo diz: "Numa estimativa conservadora, calculamos que a determinação pré-natal do sexo e os abortos seletivos são responsáveis por 500 mil nascimentos a menos de meninas por ano. Se essa prática foi corriqueira na maior parte das últimas duas décadas, desde que o acesso à ultra-sonografia se tornou comum, não seria descabida uma cifra de 10 milhões de nascimentos de meninas a menos". A ultra-sonografia, utilizada para verificar a saúde e o desenvolvimento do feto, também pode revelar seu sexo.
A determinação do sexo dos fetos e a interrupção da gravidez realizada por médicos com base no sexo do feto são ilegais na Índia desde 1994. Entretanto, diz o estudo, "existem amplas evidências publicadas de que a determinação do sexo dos fetos é praticada com grande freqüência, assim como o feticídio feminino".

Ônus
A preferência por filhos homens desequilibra o índice de homens e mulheres na Índia, país de mais de 1,06 bilhão de habitantes. De acordo com recenseadores governamentais, o número de meninas por mil meninos caiu de 945, em 1991, para 927, em 2001.
Muitas pessoas na Índia vêm filhas como um ônus porque, de acordo com a tradição, a mulher "pertence" à família de seu futuro marido. O costume de pagar dote ainda é prevalecente no país, e as famílias freqüentemente se endividam para comprar presentes para as famílias dos maridos de suas filhas.
O sociólogo Dipankar Gupta disse que o problema se deve à incapacidade do governo de aplicar a lei. "Todo mundo sabe que existem clínicas que fazem esses exames", ele comentou.
Já a professora de ciência política Zoya Hasan, da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Déli, afirma que a questão não pode ser responsabilidade exclusiva do governo.
"A sociedade civil e organizações diversas precisam intervir", disse ela. "Mas o governo precisa assegurar que não serão autorizados os exames para a determinação do sexo dos bebês. Em última análise, é preciso formar a opinião pública e conscientizar a sociedade de que não existe diferença entre homens e mulheres e de que é preciso proteger os direitos das mulheres."


Tradução de Clara Allain


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