São Paulo, quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

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ARTIGO

Será que ela pode ganhar no choro?

MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES"

Quando entrei na redação, segunda-feira, havia gente aglomerada em torno de um computador para assistir a uma cena que imaginavam ser impossível: Hillary Clinton com rastros de lágrimas nos olhos. Foi impressionante que ela conseguisse ao mesmo tempo se comover a ponto de chorar e ainda assim manter a mensagem de sua campanha.
Uma mulher fitava a tela com um sorriso amarelo. Três caras assistiam de novo a cena, hipnotizados pela Hillary "humanizada". Um repórter que cobre questões de segurança tinha calafrios. "Estamos em guerra. É assim que ela vai falar com Kim Jong-il?" Hillary conquistou sua cadeira no Senado depois de ser constrangida por um homem.
Virou a campanha em New Hampshire depois de ser vítima de embaraço causado por outro homem. Quando disputava o Senado, era vista como controladora demais, e por isso era preciso que perdesse o controle, como o fez durante o escândalo de Monica Lewinsky, antes que os eleitores de Nova York se deixassem convencer de que ela era doce o bastante para merecer seus votos.
Depois de perder para Barack Obama em Iowa, de seu momento de emoção em uma cafeteria de New Hampshire e do pesar que deixou transparecer em um debate ante uma pergunta que dava a entender que ela não era uma pessoa que despertasse afeto, seus gestos de fragilidade servem a um propósito: torná-la simpática, sobretudo para as mulheres, particularmente as mais velhas.
A campanha de Obama estava calculando, no fim de semana, que ganhara o voto feminino, mas terminou por perdê-lo graças às lágrimas de Hillary. Na cafeteria de Portsmouth, na segunda, conversando com um grupo de eleitores formado majoritariamente por mulheres, ela piscou, conteve as lágrimas e conseguiu expressar seu temor indefinido diante das "falsas esperanças" despertadas por Obama e suas conseqüências para o país.
Houve algo de pungente naquele momento -assistir a Hillary perder o controle em um instante de exaustão, depois de décadas de anseio pela posição de líder, e não companheira de jornada, em uma empreitada política. Também houve um traço de autopiedade à maneira de Nixon, em seu momento de choro. O que a estava comovendo àquele ponto era reconhecer que o país não estava compreendendo o quanto precisa dela. De uma maneira estranhamente narcisista, ela estava chorando por nós. Mas é desanimadoramente típico de Hillary que aquilo que a fez perder o controle tenha sido a perspectiva de ser derrotada.
Seu momento de emoção se deve ao medo de ter chegado ao cume de sua vida política, quando subitamente voltaria a ser a menina de óculos fundo-de-garrafa e cabelo desajeitado, inteligente, mas nunca a mais querida. Depois de passar todos aqueles anos à sombra de um político cheio de carisma, será que ela teria de enfrentar a perspectiva de ser derrotada por outro líder carismático?
Gloria Steinem escreveu, em artigo para o "New York Times", que uma das razões pelas quais apóia Clinton é que ela "não tem masculinidade a provar". Mas Hillary sentiu a necessidade de provar sua masculinidade. É por isso que votou a favor da invasão do Iraque e é por isso que apóia a Casa Branca quanto ao Irã.
Mas, no momento decisivo, ela teve de escapar à calamidade recorrendo ao papel de vítima feminina, de Obama e da imprensa. Hillary mal conversou com a mídia durante a campanha, mas nesta semana o casal Clinton se queixou ruidosamente de que a imprensa prefere Obama. Hillary pareceu tola ao tentar retratar Obama como um poético sonhador, em contraposição à pessoa de realizações concretas que ela é. "O sonho de Martin Luther King começou a ser realizado quando o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis", ela declarou.
O argumento de Hillary contra Obama se resume agora a um ataque ao idealismo, o que representa talvez o mais baixo e improvável ponto ao qual os Clinton poderiam descer. O casal de Hope está criticando a esperança ["hope", em inglês]. Ao festejar, Hillary parecia a heroína de uma novela que conseguiu triunfar sobre a adversidade. Dizendo-se exultante, ela repetiu um lema feminista: "Descobri minha voz".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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