|
Próximo Texto | Índice
A primeira santa do Brasil
Prefeito da Congregação das Causas dos Santos diz que está "tudo pronto" para
canonizar madre Paulina
PAULO DANIEL FARAH
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Uma das principais expectativas
dos católicos brasileiros deve se
tornar realidade nos próximos
meses: o país vai ganhar em breve
-possivelmente neste semestre- seu primeiro santo.
"Está tudo absolutamente pronto para a canonização" de madre
Paulina do Coração Agonizante
de Jesus, afirma o cardeal português d. José Saraiva Martins, 70,
prefeito da Congregação das Causas dos Santos desde 1998.
O reconhecimento do segundo
milagre necessário para a canonização aconteceu em 2000, abrindo o caminho para que qualquer
igreja possa abrigar uma imagem
de madre Paulina e para que ela
integre o cânon católico.
De acordo com a igreja, Eluísa
Rosa de Souza e Iza Bruna Vieira
de Souza foram curadas quando
já estavam desenganadas pelos
médicos (leia texto abaixo).
Leia a seguir trechos da entrevista que Saraiva Martins, professor de teologia em diversas universidades italianas e autor de
mais de 20 obras, concedeu à Folha em seu escritório, em Roma,
em frente à basílica de São Pedro.
Folha - João Paulo 2º foi o papa
que mais nomeou santos em toda a
história da igreja. Por quê?
José Saraiva Martins - João Paulo
2º foi, sem dúvida, o papa que elevou aos altares o maior número
de santos e beatos. É mais um recorde do atual sumo pontífice. O
seu objetivo é profundamente
pastoral. Com as numerosas beatificações e canonizações, ele quer
valorizar a santidade como elemento essencial da igreja. Essa foi
sempre uma das linhas fundamentais de seu pontificado. O papa quer propor aos fiéis e a todo o
povo de Deus modelos autênticos
de santidade, modelos de valores
humanos e cristãos. O homem
sempre precisa de modelos. Sobretudo hoje, quando se nota, por
vezes, uma grande falta de valores, com todas as nefastas consequências na sociedade.
Folha - O que falta para o Brasil
vir a ter um santo nativo?
Saraiva Martins - Apraz-me dizer que também o Brasil é terra de
santos. Atualmente, há na Congregação das Causas dos Santos
31 causas de beatificação e de canonização. Ainda há pouco foram
beatificados o frei Galvão e os
protomártires do Nordeste.
Folha - Quando madre Paulina
deve ser canonizada?
Saraiva Martins - Provavelmente
ainda este ano, pois está tudo absolutamente pronto para a canonização dela.
Folha - Quando exatamente?
Saraiva Martins - Não está completamente definido.
Folha - Há mais alguém com o
processo adiantado?
Saraiva Martins - Sim, Dulce
[morta em 1992, irmã Dulce desenvolveu diversas obras assistenciais".
Folha - Quantas causas estão em
andamento atualmente?
Saraiva Martins - São mais de
3.000 processos.
Folha - Os casos mais antigos na
congregação têm prioridade?
Saraiva Martins - Sim, consideramos sempre por ordem cronológica de entrada. É justo que seja
assim, não?
Folha - De onde vêm os candidatos? Ainda há muitos europeus?
Saraiva Martins - Eles vêm dos
lugares mais diversos, até mesmo
da Itália. Os santos feitos por João
Paulo 2º pertencem a todas as
áreas geográficas e culturais. Com
este papa, mudou muitíssimo a
geografia da santidade canonizada. Os candidatos à beatificação e
à canonização pertencem a todos
os continentes. Isso retrata de forma mais fiel a realidade atual da
igreja, não? A santidade floresce
em todo o mundo.
Outra vantagem é que este papa
beatificou e canonizou muitíssimos leigos, várias centenas deles.
Portanto, ele aplica aquilo que o
concílio determinou: todos os
cristãos são chamados à santidade. De fato, a santidade floresce
em todos os estados de vida dos
cristãos. Não é um privilégio ou
um luxo de alguns, é uma obrigação de todos. Porque é uma obrigação que deriva do batismo.
O papa disse que perguntar a
um catecúmeno [aquele que se
prepara para receber o batismo"
"Tu queres ser batizado?" é o
mesmo que perguntar "Tu queres
ser santo?". Ou seja, a obrigação
da santidade deriva do batismo.
Recentemente, no dia 21 de outubro do ano passado, pela primeira vez na história da igreja, um
casal foi beatificado como casal. O
milagre para a beatificação foi
atribuído aos dois.
O papa tem um princípio pastoral fundamental. A santidade é a
coisa mais importante da igreja.
Toda a ação pastoral deve resumir-se ao convite à santidade. Todos devem buscar a santidade. Ele
[o papa" não faz isso por acaso.
Tem um princípio: a importância
pastoral das beatificações e das
canonizações. Com o sentido de
propor um modelo para incentivar os fiéis à santidade.
Folha - O processo de madre Paulina foi iniciado em 1965. Outros
duram séculos. Por que há uma variação tão grande?
Saraiva Martins - O tempo varia
segundo o tipo de processo. Há
casos mais e menos complicados.
Folha - Quando se alega um milagre, como a igreja procede?
Saraiva Martins - Os casos envolvem o conhecimento das virtudes, a vistoria dos teólogos, depois
dos cardeais. Só depois vão para o
papa. Em relação ao milagre, deve
passar primeiro por historiadores, depois por médicos. Temos
60 médicos especializados nos vários setores da medicina. Segundo
a natureza da cura. Se é a cura de
um câncer, chamamos o médico
responsável pelo setor. É um processo extremamente sério. Os
meios de comunicação não imaginam o trabalho que há por trás
de uma cerimônia de beatificação. Anos e anos de trabalho.
Folha - O sr. foi ao Brasil no ano
passado como representante do
papa no Congresso Eucarístico.
Qual sua impressão da igreja local?
Saraiva Martins - A impressão de
sempre, ou seja, a de que o Brasil é
um país extraordinário. Com
muitos recursos naturais e um
enorme potencial humano. Um
país multirracial que constituiu e
continua a constituir um magnífico exemplo de convivência entre
as várias etnias. Também essa é
uma invejável riqueza. O Brasil é,
além disso, um país em franco
progresso econômico e social.
A igreja do Brasil é, a meu ver,
jovem, cheia de vida, muito empenhada na nova evangelização à
luz das novas realidades socioculturais do país. Uma igreja que, fiel
à sua rica e longa história, olha
confiante para o presente e para o
futuro, preocupada unicamente
com a total libertação ou com a
promoção integral do homem.
Próximo Texto: Para cardeal, papa é "apóstolo da reconciliação" Índice
|