São Paulo, sábado, 10 de março de 2001

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MÉXICO

Marcha liderada pelo subcomandante Marcos chega amanhã à Cidade do México, após angariar apoio durante o caminho

Fox convida líder zapatista ao palácio

France Presse
Líderes zapatistas e simpatizantes para diante de estátua de Zapata em Cuautlay, no Estado de Morelos, a caminho da capital


JAN McGIRK
DO "THE INDEPENDENT"


Dois dias antes da chegada da marcha zapatista à capital mexicana, o presidente do país, Vicente Fox, convidou o líder da guerrilha, o subcomandante Marcos, para uma conversa no palácio presidencial de Los Pinos. Mas advertiu que ambos pagarão um preço alto se não pacificarem o Estado de Chiapas (sul), onde a guerrilha nasceu e atua.
"Marcos está convidado a Los Pinos no dia que quiser para que possamos falar dos indígenas, sobre o México, os pobres... Há muito para conversar", disse Fox, que ontem completou cem dias no posto de presidente.
O enigmático líder do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que lançou uma luta armada pela melhoria da situação das populações nativas de Chiapas, em janeiro de 1994, está à frente de um comboio de caminhões, picapes e ônibus que partiu do Estado mais pobre do México em 25 de fevereiro último e percorrerá cerca de 3.000 km.
O clima de ansiedade está crescendo, agora que os zapatistas emergiram, após sete anos escondidos na selva. Nas rodovias e nos povoados, a população se reúne para olhar e aplaudir os ativistas verdes e revolucionários new age que pegaram carona no comboio zapatista. A marcha percorreu uma complexa teia de rodovias e estradas vicinais para passar por redutos indígenas e bolsões históricos de resistência contra o governo central mexicano. Oficialmente os zapatistas ainda estão em guerra com o governo, mas, apesar disso, viaturas policiais escoltam os revolucionários em todo o caminho.
O subcomandante Marcos é o anti-herói do momento e está sendo visto como um Che Guevara nacional por estudantes radicais, acadêmicos esquerdistas e, cada vez mais, cerca de 62 tribos miseráveis que vivem na selva de Lacandón, em Chiapas. Resta ver se Marcos conseguirá colaborar com Fox sem comprometer sua postura anticapitalista e desagradar a suas maiores fontes de financiamento.
Seus defensores estrangeiros, cujos representantes mais evidentes no comboio integram um bando de 280 anarquistas italianos, prefeririam que ele mantivesse a guerra de guerrilha. Quatro ônibus repletos do contingente italiano da marcha "Ya Basta!", todos usando macacões brancos, passaram a formar a segurança de Marcos desde que os zapatistas desconfiaram que uma colisão ocorrida no caminho, deixando um policial morto, tivesse sido provocada por sabotadores.
Amanhã, o bando de guerrilheiros e seus defensores de esquerda pretende marchar até as portas do Congresso e reivindicar direitos e autonomia para os 10 milhões de indígenas mexicanos marginalizados. Eles prometem acampar na capital por tempo indefinido, até que seja iniciado um diálogo de paz que satisfaça as exigências previamente formuladas de libertação de prisioneiros e fechamento de bases militares. A viúva do ex-presidente francês François Mitterrand, Danielle, prometeu juntar-se à marcha quando ela chegar à capital.
Todos os dias, pouco após o nascer do sol, milhares de curiosos e simpatizantes se aglomeram ao longo de estradas e viadutos para tentar ver o subcomandante Marcos acenando da janela de seu ônibus. Eles enfrentam garoa e chuva para verem os guerrilheiros por trás de vidros. Os organizadores da marcha disseram que Marcos considerou e rejeitou cinco cavalos antes de desistir da idéia de fazer a marcha a cavalo, como fez em 1914 o homem que deu nome a seu movimento, Emiliano Zapata. Os veículos do "Zapatour" são coloridos, repletos de grafites e bandeiras.
Centenas de famílias lotam as praças públicas para ouvir os discursos de Marcos, mesmo abafados por seu capuz de tricô e o cachimbo que ele segura entre os dentes. O grito da multidão é constante: "Viva Marcos! Viva Zapata!". A figura magra do líder guerrilheiro é inconfundível, com suas calças de camuflagem, máscara de esqui e boina mantida no lugar com fones de ouvido e microfone. Ele discursa com paixão: "Os poderosos tentaram nos exterminar cinco séculos atrás e chamaram sua guerra de destruição e pilhagem de "civilização". Mas os poderosos esquecem que aqueles que queriam nos exterminar não existem mais, e que nós estamos aqui. Os povos indígenas em todo o México vivem -não, sobrevivem- na miséria mais chocante".
O subcomandante Marcos é o ativista antiglobalista pós-moderno original e continua a inspirar os veteranos dos protestos contra o Banco Mundial em Seattle, Praga, Davos e Cancún. A revolta zapatista foi lançada antes do nascer do sol no dia 1º de janeiro de 1994, exatamente quando o Nafta (tratado de livre comércio da América do Norte) estava entrando em vigor. Marcos viu o neoliberalismo como promessa falsa, algo que prolongaria o racismo que vitima os maias explorados que perderam suas terras ancestrais para os fazendeiros e cafeicultores de Chiapas. Suas prioridades eram obter o direito comunitário à terra e a autonomia cultural, e não tentar atrair investimentos do exterior.
O EZLN verteu sangue pela primeira vez quando lutou pelas tribos maias do sudeste do México, numa rebelião que durou tanto quanto a marcha atual. Não demorou a mudar de tática e, desde as profundezas da selva, Marcos começou a disparar uma enxurrada de propaganda política por fax e pela Internet, expressa em mensagens poéticas. Estudantes universitários fascinados com o carismático revolucionário de laptop levavam seus disquetes para fora da floresta e os distribuíam por e-mail.


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