São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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Antonio Scorza/France Presse
Insurgentes festejam ao redor do corpo de motorista de caminhão americano atacado em Abu Gharib, 15 km a oeste de Bagdá


IRAQUE OCUPADO

No aniversário da queda do ditador, insurgência crescente e violência deixam iraquianos pessimistas

Crise domina Iraque no 1º ano sem Saddam

PATRICK COCKBURN
DO ""INDEPENDENT", EM BAGDÁ

Há um ano, cheguei a Bagdá de carro, vindo do Curdistão iraquiano, passando por tanques iraquianos incendiados. A guerra acabara de terminar. A estátua de Saddam tinha sido derrubada. Prédios do governo ardiam em chamas, mas, entre as pessoas da cidade, havia o sentimento de que o pior já passara. Está difícil reencontrar esse sentimento agora.
Hoje o Iraque é um país em que as pessoas têm medo de sair às ruas. Quer você seja empresário estrangeiro atuante na reconstrução, muçulmano que vai às orações ou jornalista, este é um país onde o perigo está sempre presente. Os estrangeiros seqüestrados há dois dias tiveram o infortúnio de entrar em contato direto com essa realidade dura. Todos nós nos perguntamos de quem será a vez amanhã.
O clima reinante em Bagdá mudou para pior. Na entrada do hotel onde estou hospedado há um mural de notícias e anúncios. No ano passado, os papéis colados no mural eram em sua maioria de iraquianos interessados em encontrar trabalho. Em lugar disso, há três mensagens de três companhias diferentes, todas anunciando veículos blindados à venda.
Poucas pessoas no Iraque comemoraram ontem o aniversário da queda de Saddam Hussein, apesar do fato de que a maioria dos iraquianos o odiava. E, se alguém em meu hotel ainda tinha dúvidas quanto à atitude dos iraquianos em relação à data, um aviso ""gentil" chegou esta manhã por fax. O aviso diz: ""Cuidado: não ostentem decorações, bandeiras iraquianas ou qualquer outro elemento comemorativo. Qualquer pessoa que desobedecer a esta ordem será punida, especialmente pessoas em posições de mando".

Fumaça
Nunca imaginei que a invasão americana fosse ter final feliz, mas ainda me parece extraordinário que, um ano depois da entrada das forças americanas na capital, esta ainda desfrute de apenas 12 horas de eletricidade por dia.
Uma maneira rápida de avaliar como andam as coisas em Bagdá é olhar para as quatro chaminés da usina elétrica de Daura, que dominam o horizonte da zona sul da capital. Se há fumaça saindo de duas ou três das chaminés, isso significa que o fornecimento de energia será razoável. Se apenas uma das chaminés estiver produzindo fumaça, não haverá energia suficiente. Quando retornei a Bagdá, no início da semana, notei que, pela primeira vez desde que a usina foi bombardeada, em 1991, não havia fumaça saindo de nenhuma das chaminés.
Não deveria ter sido difícil fazer um bom governo após a queda de Saddam. Depois de 30 anos de guerras, os iraquianos só queriam viver tranqüilamente. Tudo o que os EUA precisavam fazer realmente era garantir a volta ao funcionamento de uma administração relativamente eficiente. Em lugar disso, eles deixaram que o governo se dissolvesse. O que aconteceu foi um dos fracassos mais extraordinários da história.
O símbolo do novo Iraque é o bloco de concreto: enormes blocos de cinco metros de altura, lembrando pedras tumulares colossais, são colocados em volta dos prédios da Autoridade Provisória da Coalizão (APC), administrada pelos EUA, como barreiras contra explosões. Blocos desse tipo cercam os hotéis desde que as explosões suicidas começaram, em agosto do ano passado.
O número de carros nas ruas aumentou muito -há talvez 150 mil apenas em Bagdá-, porque o fluxo de importações após o colapso da Alfândega iraquiana significou que ninguém mais precisou pagar taxas de importação. Pelo mesmo motivo, as calçadas estão repletas de novos eletrodomésticos: geladeiras, TVs, congeladores, geradores e equipamentos para TV via satélite.
O que é mais importante para os iraquianos que querem seguir adiante com suas vidas é que a segurança está muito mais precária do que no tempo de Saddam. Hoje em dia os criminosos estão mais bem organizados e armados.

Fim do otimismo
Houve um momento em que a vida em Bagdá parecia estar melhorando, mesmo que ainda faltasse muito para ficar boa. Os empresários e comerciantes expressavam otimismo de longo prazo, dizendo: ""Os americanos não vão poder dar-se ao luxo de fracassar". Essa é uma opinião que não se ouve mais.
A população voltou a esvaziar as ruas cedo. No momento em que escrevo, estou ouvindo o som de explosões à distância, o que intensifica o clima de nervosismo numa cidade que está com os nervos à flor da pele. O pânico está sempre por perto, prestes a estourar.
Fomos a uma mesquita no bairro Adhamiyah, uma área sunita em que ocorreram tiroteios durante a noite. Uma multidão grande e irada se concentrava diante da mesquita de Abu Hanifa. Os iraquianos que me acompanhavam disseram que não seria boa idéia um estrangeiro estar lá, então fomos embora.
Um empresário iraquiano que voltou do exílio me disse que nunca mais sai de casa sozinho, devido ao perigo de ser seqüestrado.
E as histórias de horror não se limitam aos estrangeiros. Meu amigo contou que a filha de outro empresário de Bagdá foi seqüestrada, tendo sido pedido resgate de US$ 100 mil. Enquanto tentava negociar a soltura, seu irmão matou um dos seqüestradores. A cabeça da refém foi devolvida à família dentro de um saco.


Patrick Cockburn, correspondente em Bagdá, é membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, e co-autor de "Saddam Hussein: An American Obsession".

Tradução de Clara Allain


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