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Antonio Scorza/France Presse
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Insurgentes festejam ao redor do corpo de motorista de caminhão americano atacado em Abu Gharib, 15 km a oeste de Bagdá |
IRAQUE OCUPADO
No aniversário da queda do ditador, insurgência crescente e violência deixam iraquianos pessimistas
Crise domina Iraque no 1º ano sem Saddam
PATRICK COCKBURN
DO ""INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Há um ano, cheguei a Bagdá de
carro, vindo do Curdistão iraquiano, passando por tanques
iraquianos incendiados. A guerra
acabara de terminar. A estátua de
Saddam tinha sido derrubada.
Prédios do governo ardiam em
chamas, mas, entre as pessoas da
cidade, havia o sentimento de que
o pior já passara. Está difícil reencontrar esse sentimento agora.
Hoje o Iraque é um país em que
as pessoas têm medo de sair às
ruas. Quer você seja empresário
estrangeiro atuante na reconstrução, muçulmano que vai às orações ou jornalista, este é um país
onde o perigo está sempre presente. Os estrangeiros seqüestrados há dois dias tiveram o infortúnio de entrar em contato direto
com essa realidade dura. Todos
nós nos perguntamos de quem
será a vez amanhã.
O clima reinante em Bagdá mudou para pior. Na entrada do hotel onde estou hospedado há um
mural de notícias e anúncios. No
ano passado, os papéis colados no
mural eram em sua maioria de
iraquianos interessados em encontrar trabalho. Em lugar disso,
há três mensagens de três companhias diferentes, todas anunciando veículos blindados à venda.
Poucas pessoas no Iraque comemoraram ontem o aniversário
da queda de Saddam Hussein,
apesar do fato de que a maioria
dos iraquianos o odiava. E, se alguém em meu hotel ainda tinha
dúvidas quanto à atitude dos iraquianos em relação à data, um
aviso ""gentil" chegou esta manhã
por fax. O aviso diz: ""Cuidado:
não ostentem decorações, bandeiras iraquianas ou qualquer outro elemento comemorativo.
Qualquer pessoa que desobedecer
a esta ordem será punida, especialmente pessoas em posições de
mando".
Fumaça
Nunca imaginei que a invasão
americana fosse ter final feliz, mas
ainda me parece extraordinário
que, um ano depois da entrada
das forças americanas na capital,
esta ainda desfrute de apenas 12
horas de eletricidade por dia.
Uma maneira rápida de avaliar
como andam as coisas em Bagdá
é olhar para as quatro chaminés
da usina elétrica de Daura, que
dominam o horizonte da zona sul
da capital. Se há fumaça saindo de
duas ou três das chaminés, isso
significa que o fornecimento de
energia será razoável. Se apenas
uma das chaminés estiver produzindo fumaça, não haverá energia
suficiente. Quando retornei a
Bagdá, no início da semana, notei
que, pela primeira vez desde que a
usina foi bombardeada, em 1991,
não havia fumaça saindo de nenhuma das chaminés.
Não deveria ter sido difícil fazer
um bom governo após a queda de
Saddam. Depois de 30 anos de
guerras, os iraquianos só queriam
viver tranqüilamente. Tudo o que
os EUA precisavam fazer realmente era garantir a volta ao funcionamento de uma administração relativamente eficiente. Em
lugar disso, eles deixaram que o
governo se dissolvesse. O que
aconteceu foi um dos fracassos
mais extraordinários da história.
O símbolo do novo Iraque é o
bloco de concreto: enormes blocos de cinco metros de altura,
lembrando pedras tumulares colossais, são colocados em volta
dos prédios da Autoridade Provisória da Coalizão (APC), administrada pelos EUA, como barreiras
contra explosões. Blocos desse tipo cercam os hotéis desde que as
explosões suicidas começaram,
em agosto do ano passado.
O número de carros nas ruas
aumentou muito -há talvez 150
mil apenas em Bagdá-, porque o
fluxo de importações após o colapso da Alfândega iraquiana significou que ninguém mais precisou pagar taxas de importação.
Pelo mesmo motivo, as calçadas
estão repletas de novos eletrodomésticos: geladeiras, TVs, congeladores, geradores e equipamentos para TV via satélite.
O que é mais importante para os
iraquianos que querem seguir
adiante com suas vidas é que a segurança está muito mais precária
do que no tempo de Saddam. Hoje em dia os criminosos estão
mais bem organizados e armados.
Fim do otimismo
Houve um momento em que a
vida em Bagdá parecia estar melhorando, mesmo que ainda faltasse muito para ficar boa. Os empresários e comerciantes expressavam otimismo de longo prazo,
dizendo: ""Os americanos não vão
poder dar-se ao luxo de fracassar". Essa é uma opinião que não
se ouve mais.
A população voltou a esvaziar as
ruas cedo. No momento em que
escrevo, estou ouvindo o som de
explosões à distância, o que intensifica o clima de nervosismo numa cidade que está com os nervos
à flor da pele. O pânico está sempre por perto, prestes a estourar.
Fomos a uma mesquita no bairro Adhamiyah, uma área sunita
em que ocorreram tiroteios durante a noite. Uma multidão grande e irada se concentrava diante
da mesquita de Abu Hanifa. Os
iraquianos que me acompanhavam disseram que não seria boa
idéia um estrangeiro estar lá, então fomos embora.
Um empresário iraquiano que
voltou do exílio me disse que nunca mais sai de casa sozinho, devido ao perigo de ser seqüestrado.
E as histórias de horror não se limitam aos estrangeiros. Meu
amigo contou que a filha de outro
empresário de Bagdá foi seqüestrada, tendo sido pedido resgate
de US$ 100 mil. Enquanto tentava
negociar a soltura, seu irmão matou um dos seqüestradores. A cabeça da refém foi devolvida à família dentro de um saco.
Patrick Cockburn, correspondente em
Bagdá, é membro do Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais, em Washington, e co-autor de "Saddam Hussein:
An American Obsession".
Tradução de Clara Allain
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