São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Aplicações financeiras e doações não cobrem déficit da igreja; EUA têm 6% dos católicos, mas respondem por 30% do total doado

Vaticano e Santa Sé estão no vermelho

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

PEDO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Além de voltar a conquistar novos rebanhos católicos, o sucessor do papa João Paulo 2 terá pela frente uma missão mais material e delicada: reverter um quadro de déficits constantes nas contas da Santa Sé e do Vaticano e renovar suas fontes de financiamento.
Assim como o resto do mundo em dezenas de áreas, a Igreja Católica tem ampliado ano a ano a sua dependência dos EUA, país que atravessa uma nova onda religiosa e conservadora personificada no presidente George W. Bush.
Nos últimos três anos consecutivos, a Santa Sé, a administração central da igreja católica, fechou no vermelho.
Em seu balanço de 2003 (o de 2004 sai em julho), o déficit foi de US$ 11,8 milhões, estourando o orçamento daquele ano, de US$ 251,7 milhões.
O dinheiro da Santa Sé vem, basicamente, de doações italianas e internacionais e da aplicação dos resultados financeiros de um portfólio de investimentos estimado em US$ 1 bilhão, segundo Francis Butler, presidente da Fadica (Fundações e Doadores Interessados nas Atividades da Igreja Católica, na siga em inglês), sediada em Washington.
O US$ 1 bilhão da Santa Sé tem origem em uma indenização paga pelo governo da Itália, em 1929, relativa a parte do patrimônio da igreja (os ""Estados papais") confiscado em 1870.
Já a cidade-Estado do Vaticano (com contas separadas da Santa Sé) diminuiu em 45%, em 2003, o rombo de suas finanças em relação ao ano anterior. Mesmo assim, o déficit foi de US$ 10,9 milhões, estourando um orçamento de US$ 190 milhões.
O financiamento da cidade-Estado do Vaticano provém, basicamente, dos mais de 3 milhões de turistas que vistam anualmente o Museu do Vaticano e que levam para casa lembranças da igreja e vidros de perfumes, relógios e roupas de grife nos ""duty free" administrados pela igreja.
O Vaticano também produz e vende selos postais denominados em euro e possui 1.534 funcionários, a maioria empregada para administrar as áreas autorizadas aos turistas -a praça São Pedro, a basílica e o museu.

Descontos no IR
Os resultados do Vaticano e da Santa Sé vêm sendo consolidados e conhecidos desde o início da década de 90.
A decisão de publicá-los não foi expontânea, mas uma resposta ao fato de o governo da Itália ter deixado de doar dinheiro diretamente ao Vaticano em 1990 e ter autorizado os cidadãos italianos a deduzir do Imposto de Renda doações à igreja.
As duas prestações de resultados, porém, são as únicas transparentes e disponíveis, o que tem levado muitos especialistas a comparar as contas da cúpula da igreja católica a uma caixa-preta.
Um dos maiores especialistas sobre as finanças do Vaticano no período entre 1900 e 1950 (quando as doações à igreja se globalizaram), o professor John Pollard, da Universidade de Cambridge, disse à Folha, em Nova York, que o patrimônio do Vaticano pode chegar a US$ 5 bilhões.
Isso sem contar os tesouros artísticos em seu museu ou edifícios que não podem ser alugados. Além de seus prédios monumentais, o Vaticano e a Santa Sé também seriam donos de 2.400 pequenos imóveis em Roma, alugados a preços abaixo do mercado a seus clérigos e funcionários.
Os demais edifícios, como a própria basílica de São Pedro, o Museu do Vaticano e tudo o que está dentro dele, estão registados na Itália por um valor simbólico, inferior a um euro.
No passado, especulações em torno da possibilidade da venda de obras de arte do Museu do Vaticano foram enterradas de forma definitiva tanto pela igreja quanto pelo governo italiano, que prometeu impedir a exportação de qualquer obra da coleção.
Além da Santa Sé e do Vaticano, o novo papa também vai controlar o IOR (Istituto per le Opere di Religione), conhecido mundanamente -e no rol dos grandes escândalos financeiros- simplesmente como o Banco do Vaticano (leia texto ao lado).
O último dado disponível sobre o valor dos ativos do banco é de 1994, quando giravam em torno de US$ 4 bilhões. Estão publicados no livro ""Por Dentro do Vaticano", do padre jesuíta norte-americano Thomas Reese, que obteve a cifra de um cardeal que administrava o banco à época.

Ciranda financeira
Nos oito anos anteriores à trinca recente de balanços consecutivos no vermelho, a Santa Sé e o Vaticano deram lucro.
Os dois períodos de vacas gordas e magras dos últimos 11 anos coincidem com as fases de euforia e depressão dos mercados mundiais de ações e bônus internacionais, o que revela a dependência da igreja mais em suas aplicações financeiras do que na generosidade de seus fiéis.
Pollard, da Universidade de Cambridge, afirma que houve uma radical mudança geográfica entre os povos dispostos a financiar a igreja católica nos últimos 140 anos. Até 1864, 86% das doações à igreja vinham de países da Europa e apenas 0,8% dos EUA. Hoje, os norte-americanos respondem por 30% das doações, mesmo representando apenas 6% dos católicos do planeta.
As igrejas católicas norte-americanas também são responsáveis atualmente por 50% da coleta do chamado ""Perter's Pence" (os centavos de Pedro, em alusão ao nome do primeiro papa), as doações colhidas entre os fiéis para financiar obras de caridade administradas pelo papa.
De acordo com as contas de 2003, os ""centavos de Pedro" somaram US$ 55,8 milhões.

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