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Blair deixará legado de guerra e de paz
Para biógrafo, Iraque pesará por muito tempo, mas processo na Irlanda do Norte e laços com a Europa que permanecerão
Brown deve esperar eleições gerais no próximo ano e troca de comando nos EUA para começar mudanças, diz historiador Anthony Seldon
SAMANTHA PEARSON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O legado que Tony Blair deixará de seus dez anos no poder
à frente do Reino Unido é ambíguo -ao menos à primeira
vista, segundo explica seu biógrafo, Tony Seldon.
Para o comentarista e historiador político britânico, autor
de "Blair" (2005) e de mais de
três dezenas de outros livros
sobre a histórica política recente do Reino Unido, é pelo desastre na Guerra do Iraque que as
pessoas primeiro tenderão a se
lembrar do premiê trabalhista.
Mas, com o passar dos anos,
diz, ficará um legado de prosperidade econômica, estreitamento das relações com a Europa continental e, sobretudo,
do bem-sucedido processo de
paz na Irlanda do Norte -que
chegou ao ápice nesta semana
com a posse de um governo de
união entre protestantes e católicos.
Já Gordon Brown (seu provável sucessor), acredita o historiador, deve se ater primeiro
às políticas de Blair para só depois dar início a mudanças lentas, sobretudo na política externa. Leia a seguir os principais
trechos da entrevista que Seldon concedeu, por telefone, ontem à Folha.
FOLHA - Na sua opinião, quais foram os maiores êxitos e quais os
grandes equívocos de Blair?
ANTHONY SELDON - Acho que ele
vai ser lembrado pelos dez anos
de prosperidade econômica
que trouxe ao Reino Unido, por
ter guiado o processo de paz na
Irlanda do Norte, por ter melhorado a relação entre o país e
a Europa. Alem disso, melhorou notavelmente os serviços
públicos. Essas mudanças são
as principais. Mas, obviamente,
o lado negativo mais sentido é o
tema do Iraque e a questão de
por que não houve mais desenvolvimentos positivos [no país]
apesar da grande quantidade de
dinheiro que foi investido.
FOLHA - Por quais mudanças o sr.
crê que as gerações futuras vão se
lembrar dele?
SELDON - No curto prazo, acho
que a questão do Iraque pesará
mais sobre a forma como nós
nos lembraremos dele, mas,
pouco a pouco, os seus pontos
fortes vão ficar mais evidentes,
e ele vai ser lembrado como
uma figura positiva da nossa
história.
FOLHA - Qual a motivação fundamental de Blair?
SELDON - Em parte, ele foi impulsionado pelo ego -que é o
que impulsiona todos os políticos. É um desejo de poder, de
influência, de viver num "grande palco". Ele é um ator natural. Adora estar no palco e ter
uma platéia. Por outro lado,
também foi motivado pela vontade de fazer bem, uma indicação da sua fé religiosa. É evidente isso no Reino Unido, onde trabalhou duro para combater a desigualdade e ampliar as
oportunidades para o povo, e
no que ele tentou fazer no exterior.
FOLHA - Tendo em conta a relação
tumultuada entre Blair e Gordon
Brown no passado, por que é que
agora Blair parece tão determinado
a apoiar Brown como sucessor?
SELDON - Sempre foi uma relação de amor e ódio, mas a mídia
sempre se concentrou no ódio e
não quis reconhecer o amor latente que existe entre eles. São
duas pessoas que se conhecem
há 24 anos, quase exatamente,
e existe um laço de amizade
muito forte entre eles e uma
identidade política em comum.
FOLHA - Como o sr. acha que seria
um governo Brown?
SELDON - É bem possível que
ele nos surpreenda pelo sucesso. Vamos ver logo se ele é capaz de conseguir a transição e
desenvolver-se ou não. Na verdade, acho que ele a conseguirá.
Já se mostrou capaz de ser um
ministro talentoso das Finanças, mas ainda tem que mostrar
que pode ser um primeiro-ministro talentoso também. São
dois papéis muito distintos.
FOLHA - Se Brown for confirmado
como o próximo primeiro-ministro,
o que isso significará para o país e a
sua política externa?
SELDON - Acho que, no começo,
ele não correrá riscos. Talvez se
afaste um pouco do assunto de
Iraque sem alterar a política.
Acho que será bem prudente
antes das eleições gerais [no
ano que vem], especialmente
em relação à política externa.
Porém, assim que for eleito,
acho que ele fará coisas mais radicais. Trabalhará na Constituição, fará coisas para a igualdade, para a educação. E, no
longo prazo, será bem possível
que ele queira se distanciar, de
modo significativo, do que fez
Blair no Iraque.
FOLHA - Como é que isso alteraria a
relação entre o Reino Unido e os
EUA?
SELDON - Acho que a resposta
depende totalmente de quem
vai ganhar as eleições presidenciais nos EUA [em 2008].
No futuro próximo, acho que
ele preferirá ficar próximo a
Bush, porque ele não vai querer
mudar, de repente, o estado das
coisas por medo de cair em desgraça antes das eleições gerais
no Reino Unido. Porém, Brown
é um grande fã dos EUA -até
viaja para lá em suas férias. Mas
tudo poderia mudar dependendo de quem vai ser o próximo
presidente. Acho que ele esperará e rezará para que um democrata seja eleito ao mesmo
tempo dele.
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