São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007

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Blair deixará legado de guerra e de paz

Para biógrafo, Iraque pesará por muito tempo, mas processo na Irlanda do Norte e laços com a Europa que permanecerão

Brown deve esperar eleições gerais no próximo ano e troca de comando nos EUA para começar mudanças, diz historiador Anthony Seldon

SAMANTHA PEARSON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O legado que Tony Blair deixará de seus dez anos no poder à frente do Reino Unido é ambíguo -ao menos à primeira vista, segundo explica seu biógrafo, Tony Seldon. Para o comentarista e historiador político britânico, autor de "Blair" (2005) e de mais de três dezenas de outros livros sobre a histórica política recente do Reino Unido, é pelo desastre na Guerra do Iraque que as pessoas primeiro tenderão a se lembrar do premiê trabalhista. Mas, com o passar dos anos, diz, ficará um legado de prosperidade econômica, estreitamento das relações com a Europa continental e, sobretudo, do bem-sucedido processo de paz na Irlanda do Norte -que chegou ao ápice nesta semana com a posse de um governo de união entre protestantes e católicos.
Já Gordon Brown (seu provável sucessor), acredita o historiador, deve se ater primeiro às políticas de Blair para só depois dar início a mudanças lentas, sobretudo na política externa. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Seldon concedeu, por telefone, ontem à Folha.

 

FOLHA - Na sua opinião, quais foram os maiores êxitos e quais os grandes equívocos de Blair?
ANTHONY SELDON -
Acho que ele vai ser lembrado pelos dez anos de prosperidade econômica que trouxe ao Reino Unido, por ter guiado o processo de paz na Irlanda do Norte, por ter melhorado a relação entre o país e a Europa. Alem disso, melhorou notavelmente os serviços públicos. Essas mudanças são as principais. Mas, obviamente, o lado negativo mais sentido é o tema do Iraque e a questão de por que não houve mais desenvolvimentos positivos [no país] apesar da grande quantidade de dinheiro que foi investido.

FOLHA - Por quais mudanças o sr. crê que as gerações futuras vão se lembrar dele?
SELDON -
No curto prazo, acho que a questão do Iraque pesará mais sobre a forma como nós nos lembraremos dele, mas, pouco a pouco, os seus pontos fortes vão ficar mais evidentes, e ele vai ser lembrado como uma figura positiva da nossa história.

FOLHA - Qual a motivação fundamental de Blair?
SELDON -
Em parte, ele foi impulsionado pelo ego -que é o que impulsiona todos os políticos. É um desejo de poder, de influência, de viver num "grande palco". Ele é um ator natural. Adora estar no palco e ter uma platéia. Por outro lado, também foi motivado pela vontade de fazer bem, uma indicação da sua fé religiosa. É evidente isso no Reino Unido, onde trabalhou duro para combater a desigualdade e ampliar as oportunidades para o povo, e no que ele tentou fazer no exterior.

FOLHA - Tendo em conta a relação tumultuada entre Blair e Gordon Brown no passado, por que é que agora Blair parece tão determinado a apoiar Brown como sucessor?
SELDON -
Sempre foi uma relação de amor e ódio, mas a mídia sempre se concentrou no ódio e não quis reconhecer o amor latente que existe entre eles. São duas pessoas que se conhecem há 24 anos, quase exatamente, e existe um laço de amizade muito forte entre eles e uma identidade política em comum.

FOLHA - Como o sr. acha que seria um governo Brown?
SELDON -
É bem possível que ele nos surpreenda pelo sucesso. Vamos ver logo se ele é capaz de conseguir a transição e desenvolver-se ou não. Na verdade, acho que ele a conseguirá. Já se mostrou capaz de ser um ministro talentoso das Finanças, mas ainda tem que mostrar que pode ser um primeiro-ministro talentoso também. São dois papéis muito distintos.

FOLHA - Se Brown for confirmado como o próximo primeiro-ministro, o que isso significará para o país e a sua política externa?
SELDON -
Acho que, no começo, ele não correrá riscos. Talvez se afaste um pouco do assunto de Iraque sem alterar a política. Acho que será bem prudente antes das eleições gerais [no ano que vem], especialmente em relação à política externa. Porém, assim que for eleito, acho que ele fará coisas mais radicais. Trabalhará na Constituição, fará coisas para a igualdade, para a educação. E, no longo prazo, será bem possível que ele queira se distanciar, de modo significativo, do que fez Blair no Iraque.

FOLHA - Como é que isso alteraria a relação entre o Reino Unido e os EUA?
SELDON -
Acho que a resposta depende totalmente de quem vai ganhar as eleições presidenciais nos EUA [em 2008].
No futuro próximo, acho que ele preferirá ficar próximo a Bush, porque ele não vai querer mudar, de repente, o estado das coisas por medo de cair em desgraça antes das eleições gerais no Reino Unido. Porém, Brown é um grande fã dos EUA -até viaja para lá em suas férias. Mas tudo poderia mudar dependendo de quem vai ser o próximo presidente. Acho que ele esperará e rezará para que um democrata seja eleito ao mesmo tempo dele.


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