São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007

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Saldo de reformas sociais é contraditório

NICHOLAS TIMMINS
DO "FINANCIAL TIMES"

"Julguem-nos depois de 10 anos de sucesso no governo. Pois um dos frutos será o fato de que haverá mais igualdade social no Reino Unido." Foi o que disse Peter Mandelson, então o braço direito de Tony Blair, pouco depois que o Partido Trabalhista assumiu o poder, 10 anos atrás. Será que esse objetivo foi atingido? A resposta mais resumida e mais severa é "não".
Sessenta anos atrás, foi o Partido Trabalhista que fundou boa parte do sistema de bem-estar britânico moderno. Os trabalhistas estabeleceram um sistema de seguro social que cobriria os cidadãos ao longo de toda a vida, expandiram o ensino público e criaram o Serviço Nacional de Saúde, gratuito. Mas o trabalhismo moderno, reformulado de maneira tão radical por Tony Blair e Gordon Brown, seria quase irreconhecível para a liderança do movimento em 1945.
O "novo trabalhismo" veio a aceitar que a riqueza precisa ser criada antes que possa ser distribuída ou gasta. Tributação excessiva é anátema. Os trabalhistas aceitaram que os dias da indústria nacionalizada são coisa do passado, que as leis trabalhistas mais severas quanto a greves não serão alteradas e que a força de trabalho precisa ser flexível. O novo trabalhismo é fã do mercado financeiro e considera que o futuro do Reino Unido envolve uma economia flexível e de alta capacitação profissional.
Em resumo, aceitou boa parte do programa de mudanças que Margaret Thatcher colocou em vigor quando os conservadores governaram, nos anos 80 e 90. Mas dizer apenas que a igualdade não cresceu na sociedade britânica, nos últimos 10 anos, seria um veredicto inadequado. O Partido Trabalhista introduziu mudanças tão abrangentes quanto -ou possivelmente mais abrangentes que- as adotadas na era Thatcher, em áreas como saúde, educação, programas de bem-estar social, promoção do emprego e habitação.
As mudanças na maneira como os serviços públicos são prestados estão mais próximas da ideologia conservadora do que da velha ideologia trabalhista, e um governo trabalhista teve mais facilidade para implementá-las do que uma administração conservadora teria. Os trabalhistas introduziram, por exemplo, anuidades nas universidades -limitadas a 3.000 libras-, idéia que os conservadores não conseguiram pôr em prática. Nos programas de seguro-desemprego, os trabalhistas adotaram requisitos muito mais severos para a concessão de benefícios.

Saúde, educação
Mas o Reino Unido quase duplicou seus dispêndios reais com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo de corrigir décadas de investimento insuficiente e equiparar os gastos à média européia. Isso fez com que caísse o tempo de espera nos hospitais e clínicas. Mas há a impressão de que o SNS ainda não viu benefícios compatíveis com os gastos.
Na habitação, o Reino Unido -como os EUA e boa parte da Europa- viu uma disparada nos preços dos imóveis que excluiu muitos compradores de primeiro imóvel do mercado. Isso causou pressão sobre o setor de locação social britânico. Menos gente pode, hoje, abrir mão dos aluguéis subsidiados para comprar um imóvel. O resultado é que alguns dos conjuntos residenciais públicos de maior porte se transformaram em um "propulsor de polarização social e geográfica", em lugar de se tornarem "uma forma de superar essas divisões", de acordo com John Hills, da London School of Economics.
Os trabalhistas reduziram a pobreza, no entanto, com um programa cujo objetivo era eliminar a pobreza infantil. Créditos tributários baseados no nível de renda também foram adotados para elevar a renda dos trabalhadores de baixo salário. O total de crianças abaixo da linha da pobreza foi reduzido de 4 milhões em 1997 para 3,3 milhões, hoje. Quanto à educação, o governo se esforçou por evitar uma queda no nível de serviço, que poderia levar as pessoas mais prósperas a optar por não receber serviços públicos, o que criaria, na prática, um sistema de duas classes. Quanto a isso eles obtiveram sucesso, até o momento. "O setor privado mal cresceu, apesar do imenso aumento da renda do país nos últimos dez anos", aponta Lorde Adonis, ministro das Escolas.
O resultado líquido das tendências é que as pessoas que estão na parte inferior da pirâmide de renda se saíram melhor do que as pessoas que estão nas camadas médias. Se ignorarmos os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, a igualdade de fato cresceu no Reino Unido. Mas, caso essas duas categorias sejam computadas, a desigualdade de renda piorou ligeiramente, "em larga medida porque as rendas dos mais ricos continuaram a subir muito mais do que as dos demais grupos", diz Mike Brewer, do Instituto de Estudos Fiscais.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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