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Repúdio ao Taleban une rivais no Paquistão
Ofensiva fomenta apoio ao governo, alvo de protestos há dois meses, mas crise humanitária pode minar sua popularidade
Falta de interlocutores entre os combatentes emperra pacto de paz do governo, mediado por clérigo radical no vale do Swat, diz analista
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
A escalada, há quatro dias, da
ofensiva contra o Taleban fomentou uma inédita onda de
apoio popular ao governo do
Paquistão, dois meses após os
protestos que quase derrubaram o presidente Asif Ali Zardari. Típica de tempos de guerra, a retórica de união nacional
aproximou governo e oposição,
num arrefecimento temporário da crise política.
"O sentimento popular se
volta contra os radicais. Prevalece a impressão de que eles sabotaram a paz no Swat", disse à
Folha o cientista político Rasul
Rais, da Universidade de Administração de Lahore.
Mas uma crise humanitária
pode respingar sobre o governo, em virtude dos até 500 mil
desabrigados, que elevariam
para mais de 1 milhão os deslocados pelo conflito desde agosto, segundo projeção da ONU.
O avanço do Taleban precipitou o fim do pacto, selado pelo
governo em fevereiro, que permitia a adoção da sharia (lei islâmica), demanda do conservador cinturão tribal.
Combatentes tomaram o
controle de Buner, a 100 km de
Islamabad, expondo a vulnerabilidade da capital.
"Todas as forças políticas devem se unir para enfrentar os
desafios nacionais", disse o ex-premiê Nawaz Sharif, principal
rival de Zardari, quebrando o
silêncio sobre a operação.
O pacto do Swat foi anulado
na quinta-feira, com a escalada
da ofensiva lançada há duas semanas contra o Taleban. O
anúncio, pelo premiê Yousuf
Gilani, enfatizou o caráter soberano da decisão, que atende
os anseios dos EUA.
A ofensiva tem endosso da
maioria dos políticos paquistaneses. O PLM-Q, antiga base do
ex-ditador Pervez Musharraf
[1999-2008], alfinetou o governo pela demora em reagir.
A "pausa operacional", que,
segundo o Exército, visava permitir negociações locais, tornou-se um trunfo político para
o governo, reforçando a tese de
que Islamabad evitou confronto até o último momento.
Criticada pelos EUA, a inação inicial paquistanesa é
apontada como contraponto à
acusação de alinhamento incondicional com o país.
O islamista Jamat-e-Islami,
único partido nacional a criticar o uso da força no Swat, acusa o governo de agir em prol de
interesses do Pentágono. Mas
até a legenda exortou o Taleban a deixar as armas.
A falência do acordo no Swat
expôs a dificuldade de negociar
com o Taleban, parte crucial da
estratégia americana para a
Guerra do Afeganistão, que enfatiza o elo entre a insurgência
no país e no vizinho Paquistão.
O plano da Casa Branca prevê ainda uma escalada militar,
já em curso, e o aumento da
ajuda civil aos dois países-o
Congresso aprovou US$ 1,3 bi
em auxílio para o Paquistão.
Bastião da Al Qaeda e do Taleban, a porosa fronteira afegã-paquistanesa é habitada por
um mesmo grupo étnico, os
pashtuns, que segue versão
conservadora do islã, permeada por tradições tribais. A presença do Estado é precária.
O Taleban atua na região como uma rede de milícias autônomas, ligadas ao mulá Omar.
Derrubada do poder no Afeganistão pela invasão ocidental liderada pelos EUA, em 2001, a
cúpula do Taleban descarta
diálogo com os americanos e
seus aliados.
A esperança dos EUA é atrair
setores mais focados em demandas locais do que na cruzada contra o Ocidente, além de
combatentes profissionais,
motivados por dinheiro.
Com o pacto do Swat, mediado pelo clérigo radical Sufi Muhaamad, Islamabad buscava
apoio de insurgentes "moderados". "A influência dele revelou-se limitada", disse o cientista político Rais, que atribui à
fala de interlocutores no Taleban o naufrágio da conciliação.
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