São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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Repúdio ao Taleban une rivais no Paquistão

Ofensiva fomenta apoio ao governo, alvo de protestos há dois meses, mas crise humanitária pode minar sua popularidade

Falta de interlocutores entre os combatentes emperra pacto de paz do governo, mediado por clérigo radical no vale do Swat, diz analista


CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

A escalada, há quatro dias, da ofensiva contra o Taleban fomentou uma inédita onda de apoio popular ao governo do Paquistão, dois meses após os protestos que quase derrubaram o presidente Asif Ali Zardari. Típica de tempos de guerra, a retórica de união nacional aproximou governo e oposição, num arrefecimento temporário da crise política.
"O sentimento popular se volta contra os radicais. Prevalece a impressão de que eles sabotaram a paz no Swat", disse à Folha o cientista político Rasul Rais, da Universidade de Administração de Lahore.
Mas uma crise humanitária pode respingar sobre o governo, em virtude dos até 500 mil desabrigados, que elevariam para mais de 1 milhão os deslocados pelo conflito desde agosto, segundo projeção da ONU.
O avanço do Taleban precipitou o fim do pacto, selado pelo governo em fevereiro, que permitia a adoção da sharia (lei islâmica), demanda do conservador cinturão tribal.
Combatentes tomaram o controle de Buner, a 100 km de Islamabad, expondo a vulnerabilidade da capital.
"Todas as forças políticas devem se unir para enfrentar os desafios nacionais", disse o ex-premiê Nawaz Sharif, principal rival de Zardari, quebrando o silêncio sobre a operação.
O pacto do Swat foi anulado na quinta-feira, com a escalada da ofensiva lançada há duas semanas contra o Taleban. O anúncio, pelo premiê Yousuf Gilani, enfatizou o caráter soberano da decisão, que atende os anseios dos EUA.
A ofensiva tem endosso da maioria dos políticos paquistaneses. O PLM-Q, antiga base do ex-ditador Pervez Musharraf [1999-2008], alfinetou o governo pela demora em reagir.
A "pausa operacional", que, segundo o Exército, visava permitir negociações locais, tornou-se um trunfo político para o governo, reforçando a tese de que Islamabad evitou confronto até o último momento.
Criticada pelos EUA, a inação inicial paquistanesa é apontada como contraponto à acusação de alinhamento incondicional com o país.
O islamista Jamat-e-Islami, único partido nacional a criticar o uso da força no Swat, acusa o governo de agir em prol de interesses do Pentágono. Mas até a legenda exortou o Taleban a deixar as armas.
A falência do acordo no Swat expôs a dificuldade de negociar com o Taleban, parte crucial da estratégia americana para a Guerra do Afeganistão, que enfatiza o elo entre a insurgência no país e no vizinho Paquistão.
O plano da Casa Branca prevê ainda uma escalada militar, já em curso, e o aumento da ajuda civil aos dois países-o Congresso aprovou US$ 1,3 bi em auxílio para o Paquistão.
Bastião da Al Qaeda e do Taleban, a porosa fronteira afegã-paquistanesa é habitada por um mesmo grupo étnico, os pashtuns, que segue versão conservadora do islã, permeada por tradições tribais. A presença do Estado é precária.
O Taleban atua na região como uma rede de milícias autônomas, ligadas ao mulá Omar. Derrubada do poder no Afeganistão pela invasão ocidental liderada pelos EUA, em 2001, a cúpula do Taleban descarta diálogo com os americanos e seus aliados.
A esperança dos EUA é atrair setores mais focados em demandas locais do que na cruzada contra o Ocidente, além de combatentes profissionais, motivados por dinheiro.
Com o pacto do Swat, mediado pelo clérigo radical Sufi Muhaamad, Islamabad buscava apoio de insurgentes "moderados". "A influência dele revelou-se limitada", disse o cientista político Rais, que atribui à fala de interlocutores no Taleban o naufrágio da conciliação.


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