São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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Guerra faz do Sri Lanka campo de refugiados

Conflito de 25 anos já deixou 100 mil mortos, 7.000 só nos últimos três meses, em meio à "ofensiva final" contra separatistas

Deslocados retratam cenas de destruição, matanças e fome em região controlada pelos Tigres Tâmeis; "é um inferno", relata testemunha


GIOVANA VITOLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM COLOMBO (SRI LANKA)

Em meio ao que o governo do Sri Lanka chama, desde janeiro, de "ofensiva final" contra os rebeldes separatistas dos Tigres Tâmeis, o país se transforma num grande e superlotado campo de refugiados, de mortos e de medo.
Durante os 11 dias em que a Folha visitou o país, houve dois ataques em postos de controle espalhados por toda a ilha, onde militares foram esfaqueados e um homem-bomba matou 14 pessoas.
O medo pairava, inclusive entre quem vestia uniformes militares. Um jovem soldado, que aparentava ter 17 anos e foi provavelmente forçado (como milhares de sua idade) a se alistar, pediu à reportagem ajuda para conseguir um visto para deixar o país.
É o momento mais desesperador dos 25 anos de conflitos no Sri Lanka, uma das guerras mais longas da Ásia, que registra 170 mil refugiados e mais de 100 mil mortos (7.000 deles só nos últimos três meses).
Próximo a Vavuniya, onde fica o maior dos 27 campos de refugiados no norte do país, o pequeno território costeiro de 4 km2 ainda controlado pelos Tigres Tâmeis mantém de 50 mil a 70 mil deslocados.
Segundo a ONU, eles vivem de forma degradante numa grande cidade de barracas -o acesso de jornalistas é restrito.
"São muitas pessoas chegando ao lado do governo diariamente. A situação já saiu de controle. A infraestrutura dos campos já não suporta mais refugiados", explicou Gerson Brandão, brasileiro que coordena, pela ONU, os campos de refugiados no norte do país.
"Deixei de ir à área sob controle dos rebeldes quando o governo disse que já não poderia garantir nossa segurança."
Na pressa do governo para exterminar a guerrilha, milhares de inocentes são as principais vítimas. São crianças, doentes, idosos, pessoas morrendo de fome e sede, contraindo epidemias, ou sendo bombardeadas por estarem na hora e no local errados.
"É um inferno", disse funcionário da ajuda humanitária que quis preservar a identidade. Ele saiu há duas semanas da área dos Tigres, onde presenciou cenas de terror diárias.
"É matança o tempo todo. Os mantimentos que chegam não são suficientes". Segundo ele, a comida não alimentava nem a metade dos refugiados. Além disso, explicou, nem no mercado negro as pessoas conseguiam comida. "Uma cebola custa US$ 4, um quilo de arroz, US$ 10. Não há serviços bancários, internet, dinheiro."

"Zona neutra"
Segundo um funcionário da área de saúde que cuida dos milhares de feridos no único hospital de Mullivaikkal, área ironicamente identificada pelo governo como "No Fire Zone" (zona livre de disparos), o número de mortos é sempre uma surpresa.
Ele cita um dia em que uma bomba matou 23 pessoas ao cair próxima ao hospital -a rigor, uma instalação improvisada sobre ruínas de uma escola. Mais um drama que aflige uma das democracias mais antigas da Ásia, hoje palco de civis bombardeados, mutilados e de corpos espalhados pelo chão.


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