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Guerra faz do Sri Lanka campo de refugiados
Conflito de 25 anos já deixou 100 mil mortos, 7.000 só nos últimos três meses, em meio à "ofensiva final" contra separatistas
Deslocados retratam cenas de destruição, matanças e fome em região controlada pelos Tigres Tâmeis; "é um inferno", relata testemunha
GIOVANA VITOLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM COLOMBO (SRI LANKA)
Em meio ao que o governo do
Sri Lanka chama, desde janeiro, de "ofensiva final" contra os
rebeldes separatistas dos Tigres Tâmeis, o país se transforma num grande e superlotado
campo de refugiados, de mortos e de medo.
Durante os 11 dias em que a
Folha visitou o país, houve
dois ataques em postos de controle espalhados por toda a
ilha, onde militares foram esfaqueados e um homem-bomba
matou 14 pessoas.
O medo pairava, inclusive
entre quem vestia uniformes
militares. Um jovem soldado,
que aparentava ter 17 anos e foi
provavelmente forçado (como
milhares de sua idade) a se alistar, pediu à reportagem ajuda
para conseguir um visto para
deixar o país.
É o momento mais desesperador dos 25 anos de conflitos
no Sri Lanka, uma das guerras
mais longas da Ásia, que registra 170 mil refugiados e mais de
100 mil mortos (7.000 deles só
nos últimos três meses).
Próximo a Vavuniya, onde fica o maior dos 27 campos de
refugiados no norte do país, o
pequeno território costeiro de
4 km2 ainda controlado pelos
Tigres Tâmeis mantém de 50
mil a 70 mil deslocados.
Segundo a ONU, eles vivem
de forma degradante numa
grande cidade de barracas -o
acesso de jornalistas é restrito.
"São muitas pessoas chegando ao lado do governo diariamente. A situação já saiu de
controle. A infraestrutura dos
campos já não suporta mais refugiados", explicou Gerson
Brandão, brasileiro que coordena, pela ONU, os campos de
refugiados no norte do país.
"Deixei de ir à área sob controle dos rebeldes quando o governo disse que já não poderia
garantir nossa segurança."
Na pressa do governo para
exterminar a guerrilha, milhares de inocentes são as principais vítimas. São crianças,
doentes, idosos, pessoas morrendo de fome e sede, contraindo epidemias, ou sendo bombardeadas por estarem na hora
e no local errados.
"É um inferno", disse funcionário da ajuda humanitária que
quis preservar a identidade.
Ele saiu há duas semanas da
área dos Tigres, onde presenciou cenas de terror diárias.
"É matança o tempo todo. Os
mantimentos que chegam não
são suficientes". Segundo ele, a
comida não alimentava nem a
metade dos refugiados. Além
disso, explicou, nem no mercado negro as pessoas conseguiam comida. "Uma cebola
custa US$ 4, um quilo de arroz,
US$ 10. Não há serviços bancários, internet, dinheiro."
"Zona neutra"
Segundo um funcionário da
área de saúde que cuida dos milhares de feridos no único hospital de Mullivaikkal, área ironicamente identificada pelo
governo como "No Fire Zone"
(zona livre de disparos), o número de mortos é sempre uma
surpresa.
Ele cita um dia em que uma
bomba matou 23 pessoas ao
cair próxima ao hospital -a rigor, uma instalação improvisada sobre ruínas de uma escola.
Mais um drama que aflige uma
das democracias mais antigas
da Ásia, hoje palco de civis
bombardeados, mutilados e de
corpos espalhados pelo chão.
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