São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007

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ARTIGO

Chávez algema TV para ampliar controle

GREGORIO SALAZAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Retornei a Caracas na noite de quinta-feira, depois de assistir em Moscou ao congresso mundial da FIP (Federação Internacional de Jornalistas), que emitiu uma condenação unânime ao governo venezuelano pelo fechamento da RCTV. Minha primeira curiosidade foi assistir a algum programa da substituta da emissora, a nova Tves, mas a tela me devolveu o rosto do presidente Chávez discursando para um punhado de estudantes universitários uniformizados de vermelho.
Decidi passar para a Venezolana de Televisión (VTV), a única emissora que o Estado venezuelano tinha quando Chávez chegou ao poder (agora ele possui sete apenas em Caracas), mas ali me recebeu o mesmo homem, dessa vez cantando uma velha canção de Leonardo Favio: "Hoje cortei uma flor... e chovia, e chovia...".
Pulei rapidamente para a Globovisión, o canal privado que também se encontra de molho, acusado de "golpismo, instigação ao magnicídio e dissociação psicótica", e o presidente estava presente num segmento de variedades musicais, mas agora imitando o lendário Alí Primera, o ídolo da canção de protesto de nossa geração: "Soldado, volta teu fuzil contra o oligarca", entoava o líder da revolução humanista, pacífica e democrática (é assim que se autoproclama) que acontece na Venezuela. Como deixam claro as programações das televisões, nada é deixado ao acaso, nem sequer os trechos das canções que Chávez "canta" em cada uma de suas apresentações.
Desde o fechamento do órgão de comunicação mais importante do país, os estudantes universitários não pararam de fazer passeatas, as condenações internacionais não pararam de chegar e as donas-de-casa e avós não deixaram de lamentar a ausência da "Rádio Rochela" e das telenovelas.
Mas Chávez já disse que tudo não passa de uma nova modalidade desestabilizadora denominada "golpe suave", que vem do império e é orquestrada pela CIA e seus lacaios no quintal. Então os agentes do império já podem gabar-se de contar com o apoio de mais de 80% da população, que rejeita uma medida que também contém forte ingrediente militar, haja vista que o Supremo Tribunal ordenou a ocupação "temporária" das instalações de transmissão da RCTV em todo o país. Ao mesmo tempo, é claro, em que elas são usadas pela Tves.
Enquanto Chávez continua a aumentar seu recorde Guinness de redes de televisão, a Venezuela vive tempos de incerteza profunda não apenas no campo da liberdade de expressão e de exercício do jornalismo, mas em todos os âmbitos da vida nacional.

Instituições subjugadas
A hegemonia dos meios de comunicação e informação a que "o processo" se propõe, sem disfarces, já está instaurada no campo das instituições. Os poderes Judiciário, Legislativo e Eleitoral, o Ministério Público, a Defensoria do Povo, o Tesouro, todos foram subjugados e aviltados pela ação revolucionária.
O fechamento da RCTV, com a negação da renovação da concessão que a emissora explorou durante mais de 50 anos -com e sem acertos, mas de maneira bem-sucedida- é uma das maiores arrancadas de Chávez na marcha rumo ao controle de todo o poder possível por todo o tempo possível. Já é amplamente conhecida sua proposta de reformar a Constituição para criar a possibilidade de reeleição por tempo indefinido. Sem instituições, os meios de comunicação são o único contrapeso com que a população conta e que Chávez teme.
Se existe algo de alentador nesse contexto é que as razões apresentadas para o fechamento não convenceram nem mesmo os próprios chavistas: se o canal é golpista, por que seus responsáveis não foram levados a juízo nos cinco anos passados desde o 11 de Abril? Se as razões são de natureza ética, por que a VTV mantém no ar programas que são simplesmente escatológicos? Se a razão é administrativa, por que foi renovada a concessão do canal de Gustavo Cisneros, o Venevisión, de onde, em abril de 2002, saiu Pedro Carmona Estanga para reunir-se com os militares e, mediante um decreto infame, transformar em golpe a manifestação popular mais formidável que jamais havia sido vista na Venezuela?
E, para concluir, que espécie de socialismo é esse que, de uma só canetada, deixa cerca de 10 mil trabalhadores na rua?


Tradução de CLARA ALLAIN

GREGORIO SALAZAR é presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa da Venezuela


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