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PATRIMÔNIO
Bairro negro nova-iorquino, ausente dos mapas oficiais afixados nos táxis, renasce pela segunda vez no século
Tombamentos dão nova vida ao Harlem
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
"Harlem é Modernismo imoral. Imoral como deve ser, se você aguentar
sua beleza. Tão violento, mas tão
transformador" - poesia do escritor
negro Amiri Baraka ("LeRoy Jones")
O Harlem renasce pela segunda
vez no século. Desde janeiro, o
bairro negro nova-iorquino, que
nem sequer consta dos mapas oficiais da cidade pregados nos táxis,
experimenta um período de prosperidade inédito.
Só nos últimos dez dias, grande
parte de seus prédios foi tombada
pelo departamento de patrimônio, um multiplex foi inaugurado
e anunciou-se a construção de um
centro de tratamento de câncer.
Desde o dia 27, os distritos históricos Hamilton Heights e Sugar
Hill, no centro do bairro, são considerados marcos oficiais dos
EUA. É apenas a primeira fase de
um processo que deve tombar até
junho do ano que vem cerca de
400 prédios construídos no Harlem na virada do século.
Além disso, na semana passada,
Ralph Lauren anunciou que patrocinará a construção de um centro de prevenção do câncer, junto
ao Hospital Geral do Harlem.
O novo espaço, que levará o nome do estilista norte-americano,
deve ser aberto até o final do ano e
começa com uma doação de Lauren de US$ 5 milhões.
"Tive um tumor benigno no cérebro 12 anos atrás e imagino o
que seja não ter um bom médico
próximo de casa para procurar
nessa situação", disse ele.
Dinheiro parece não faltar. No
último fim-de-semana, o astro do
basquete Magic Johnson abriu
seu conjunto de salas de cinema
na esquina da rua 125 com o bulevar Frederic Douglass. Até então,
o bairro contava com apenas duas
salas. "Com isso, espero devolver
ao Harlem tudo que recebi dele
até hoje", disse Johnson.
As nove telas e 2.700 cadeiras do
Magic Johnson Theaters compõem o primeiro multiplex do
bairro e ficam no shopping Harlem USA, construção de US$ 66
milhões inaugurada em janeiro.
O megainvestimento, que revitalizou a rua 125, trouxe consigo
lojas e marcas até então arredias à
vizinhança, como a rede Starbucks e uma Disney Store.
Perto dali, o lendário teatro
Apollo relembra seus dias de glória nos anos 20 a 50. A casa em
que Duke Ellington tocou pela
primeira vez "Take the A Train" e
onde Spike Lee filmou "Do It a
Capella" foi comprada pela Time-Warner e deve sofrer reforma.
Do governo, o projeto The Upper Manhattan Empowerment
Zone (Umez) injetou mais US$
100 milhões em fundos de desenvolvimento e US$ 250 milhões em
renúncia fiscal para quem se propuser a investir no bairro.
Com a fartura, a criminalidade
vem caindo: é 77% menor do que
as taxas de 1995. "Só espero que
todo esse dinheiro não empurre
os negros para fora do bairro",
disse Lionel McIntyre, diretor do
programa de planejamento urbano da Universidade Columbia.
O acadêmico teme que a revalorização torne inviável a permanência da população. Segundo o
último censo, os 520 mil habitantes do bairro são de maioria negra
(84%), seguida por 13,6% de latinos e 2,4% de brancos.
O poder de gasto é de US$ 6 bilhões anuais, mas 70% dos residentes fazem compras fora da comunidade. A renda anual média é
de US$ 25 mil, incompatível com
o que os corretores começam a
cobrar por um apartamento de
um quarto: US$ 2 mil por mês.
"Quando você fala de Harlem,
você está falando de um dos ambientes urbanos mais complexos
do mundo", disse McIntyre. "E isso não pode ser perdido."
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