São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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PATRIMÔNIO
Bairro negro nova-iorquino, ausente dos mapas oficiais afixados nos táxis, renasce pela segunda vez no século
Tombamentos dão nova vida ao Harlem

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

"Harlem é Modernismo imoral. Imoral como deve ser, se você aguentar sua beleza. Tão violento, mas tão transformador" - poesia do escritor negro Amiri Baraka ("LeRoy Jones")

O Harlem renasce pela segunda vez no século. Desde janeiro, o bairro negro nova-iorquino, que nem sequer consta dos mapas oficiais da cidade pregados nos táxis, experimenta um período de prosperidade inédito.
Só nos últimos dez dias, grande parte de seus prédios foi tombada pelo departamento de patrimônio, um multiplex foi inaugurado e anunciou-se a construção de um centro de tratamento de câncer.
Desde o dia 27, os distritos históricos Hamilton Heights e Sugar Hill, no centro do bairro, são considerados marcos oficiais dos EUA. É apenas a primeira fase de um processo que deve tombar até junho do ano que vem cerca de 400 prédios construídos no Harlem na virada do século.
Além disso, na semana passada, Ralph Lauren anunciou que patrocinará a construção de um centro de prevenção do câncer, junto ao Hospital Geral do Harlem.
O novo espaço, que levará o nome do estilista norte-americano, deve ser aberto até o final do ano e começa com uma doação de Lauren de US$ 5 milhões.
"Tive um tumor benigno no cérebro 12 anos atrás e imagino o que seja não ter um bom médico próximo de casa para procurar nessa situação", disse ele.
Dinheiro parece não faltar. No último fim-de-semana, o astro do basquete Magic Johnson abriu seu conjunto de salas de cinema na esquina da rua 125 com o bulevar Frederic Douglass. Até então, o bairro contava com apenas duas salas. "Com isso, espero devolver ao Harlem tudo que recebi dele até hoje", disse Johnson.
As nove telas e 2.700 cadeiras do Magic Johnson Theaters compõem o primeiro multiplex do bairro e ficam no shopping Harlem USA, construção de US$ 66 milhões inaugurada em janeiro.
O megainvestimento, que revitalizou a rua 125, trouxe consigo lojas e marcas até então arredias à vizinhança, como a rede Starbucks e uma Disney Store.
Perto dali, o lendário teatro Apollo relembra seus dias de glória nos anos 20 a 50. A casa em que Duke Ellington tocou pela primeira vez "Take the A Train" e onde Spike Lee filmou "Do It a Capella" foi comprada pela Time-Warner e deve sofrer reforma.
Do governo, o projeto The Upper Manhattan Empowerment Zone (Umez) injetou mais US$ 100 milhões em fundos de desenvolvimento e US$ 250 milhões em renúncia fiscal para quem se propuser a investir no bairro.
Com a fartura, a criminalidade vem caindo: é 77% menor do que as taxas de 1995. "Só espero que todo esse dinheiro não empurre os negros para fora do bairro", disse Lionel McIntyre, diretor do programa de planejamento urbano da Universidade Columbia.
O acadêmico teme que a revalorização torne inviável a permanência da população. Segundo o último censo, os 520 mil habitantes do bairro são de maioria negra (84%), seguida por 13,6% de latinos e 2,4% de brancos.
O poder de gasto é de US$ 6 bilhões anuais, mas 70% dos residentes fazem compras fora da comunidade. A renda anual média é de US$ 25 mil, incompatível com o que os corretores começam a cobrar por um apartamento de um quarto: US$ 2 mil por mês.
"Quando você fala de Harlem, você está falando de um dos ambientes urbanos mais complexos do mundo", disse McIntyre. "E isso não pode ser perdido."


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