São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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SURPRESA

Evo Morales, 42, continua na disputa presidencial e já reclama de campanha dos EUA contra sua candidatura

Líder cocaleiro vai ao 2º turno na Bolívia

France Presse
Evo Morales (à esq.) fala à imprensa em La Paz sobre sua ascensão ao segundo turno e reclama de campanha dos EUA contra ele


RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Evo Morales, 42, líder dos plantadores de coca, é o virtual adversário do ex-presidente liberal Gonzalo "Goni" Sánchez de Lozada, 72, no segundo turno da eleição presidencial da Bolívia, que será decidido no Congresso. Faltavam ontem à noite a contagem de 475 votos, e Morales mantinha 700 votos a mais do que o populista Manfred Reyes Villa.
Com 99,78% da contabilização, Goni tinha 623.996 votos, à frente de Morales (581.864) e de Reyes Villa (581.158). Como nenhum dos candidatos teve mais de 50% dos votos válidos no pleito do dia 30 de junho, o Congresso deve escolher entre os dois mais votados no dia 4 de agosto, dois dias antes da posse presidencial.
Já em seus primeiros pronunciamentos após a constatação de que continuaria na disputa, o líder cocaleiro disse temer que os Estados Unidos pressionem os partidos a não votar nele.
"A embaixada americana deu instruções, com chantagens e ameaças, para que não votem em mim. Mas não precisamos da ajuda dos mercenários. O povo boliviano perdeu o medo dos EUA e se organizou para defender sua própria dignidade", disse à Caracol, rádio colombiana.
Manfred Reyes Villa disse que o embaixador dos EUA em La Paz, Manuel Rocha, advertiu que "não deveria haver um acordo com o candidato do MAS [Movimento ao Socialismo"", Morales.
A declaração de Reyes foi precedida por outra de seu assessor Jorge Richter, que assegurou que dirigentes do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário, partido de Goni) e do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária, partido de Jaime Paz Zamora, que ficou em quarto lugar) também teriam participado dessa reunião com o embaixador.
"Sabemos que participaram o secretário-executivo do MNR, Carlos Sánchez Berzaín, e Jaime Paz Pereira, filho de Jaime Paz Zamora", disse Richter.
Poucos dias antes do pleito, Rocha afirmou que os mercados dos EUA se fechariam para os produtos bolivianos caso Morales fosse eleito. Para o embaixador, a defesa dos plantadores de coca é equivalente a ligações com o narcotráfico. Segundo analistas consultados pela Folha, o recado de Rocha não era direto a Morales, e sim de que não deveria haver alianças com ele no segundo turno.
No Dia da Independência dos EUA, 4 de julho, Morales afirmou que mandaria uma folha de coca de presente ao embaixador americano. Segundo o líder indígena, o embaixador acabou sendo seu "maior cabo eleitoral". Líderes de movimentos indígenas da Colômbia e do Equador mandaram congratulações a Morales.
Dos 4,2 milhões de eleitores, cerca de 70% votaram no dia 30.
Analistas afirmam que Goni é favorito, mas nenhum deles havia previsto que Evo Morales chegaria ao segundo turno presidencial.

Crise econômica
Fuga de investimentos, corrupção na administração pública, níveis recordes de analfabetismo, cerca de 70% da população de 8,3 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza e desemprego batendo os 11%. Analistas comparam a situação da Bolívia a uma bomba-relógio pronta para explodir.
Os EUA financiaram um bem-sucedido projeto de erradicação das plantações de coca, mas os cocaleiros reclamam que não houve um projeto bem-sucedido para a substituição dos cultivos.
Ironicamente a erradicação agravou a crise. Calcula-se que US$ 500 milhões advindos do narcotráfico deixaram de circular no sistema bancário do país e houve um arrocho no crédito.
As comunidades indígenas, marginalizadas pelos programas públicos de desenvolvimento, foram as mais afetadas.

Com agências internacionais


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