São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Corpo de Ricardo Ignacio, que morreu após cruzar fronteira com México, foi achado no dia 3, em El Paso

Outro brasileiro morre no deserto dos EUA

Jefferson Coppola/Folha Imagem
Foto de Ricardo Luiz Ignacio, que morreu nos EUA, com brinquedos dos filhos em sua casa em SP


RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

BERTA MARCHIORI
DA REDAÇÃO

O paulista Ricardo Luiz Ignacio, 31, foi achado morto há uma semana, no dia 3, na cidade de El Paso (Texas), após cruzar ilegalmente a fronteira do México com os EUA. Ignacio foi o terceiro brasileiro que morreu nos últimos 36 dias durante a travessia.
Ignacio morreu por causa do excesso de calor enquanto atravessava o deserto, disse a médica americana que o examinou, Corinne Stern. Segundo ela, o brasileiro deve ter morrido um ou dois dias antes de ser achado, a menos de 2 km do rio que separa os dois países, por um homem que passeava com seu cachorro.
A família de Ignacio, que mora em Santo Amaro (zona sul de São Paulo), recebeu a notícia de sua morte no dia 2 de julho, supostamente por um companheiro de viagem, que não se identificou. Foi a primeira informação que teve desde que Ignacio deixou o Brasil, em 27 de junho.
O colega não entrou em detalhes, só disse que já haviam chegado aos EUA, que o sol estava muito forte e que Ignacio "não tinha agüentado a viagem", declarou Silvia Cristina da Silva, 28, com quem Ignacio vivia há 11 anos. Eles tinham dois filhos, de dez e cinco anos de idade.
Quando foi encontrado, Ignacio estava sem camisa e tinha um passaporte brasileiro no bolso. O detetive John Greer, da polícia de El Paso, confirmou que o brasileiro era um imigrante ilegal. "Não sabemos por que escolheu esse caminho", disse Stern sobre o fato de Ignacio ter cruzado o deserto quando poderia ter chegado aos EUA atravessando um rio.
Stern afirma que, apesar da pouca idade, não estranha o fato de Ignacio ter morrido. "As temperaturas eram muito altas, e não sabemos por quanto tempo andou no deserto." Segundo a família, Ignacio não tinha nenhum problema de saúde.
Ignacio estava desempregado havia cinco meses quando decidiu ir para os EUA "em busca de uma vida melhor". Antes, trabalhava em uma firma de equipamentos hospitalares. Sua mulher está desempregada há dois anos.
Quando informou a sua decisão, seus familiares tentaram fazê-lo desistir. "Desiste disso. A gente dá um jeito aqui. Fome ninguém vai passar", disse Silvia ao marido. Segundo ela, Ignacio disse que iria se juntar a um grupo de Governador Valadares (MG) que seria levado aos EUA por um "coiote" mexicano (pessoa que transporta ilegalmente imigrantes do México para os EUA).
O consulado brasileiro entrou em contato com a família de Ignacio em São Paulo. A previsão é que o corpo chegue ao país em uma semana.
Porém as dificuldades não esbarram somente na falta de ajuda e de informação. Sem recursos, a família está pedindo dinheiro a parentes e vizinhos para conseguir trazer o corpo. Silvia não sabia ao certo, mas achava que o custo do transporte girasse em torno de "US$ 4 mil e US$ 5 mil".
Questionados sobre se o governo deveria promover campanhas a fim de alertar dos riscos da imigração ilegal, todos foram unânimes. "O governo tem que dar é emprego. Entra governo, sai governo, e nada muda. Está cada vez pior", declarou Silvia.
No último domingo, a Folha mostrou que houve aumento de 926% no número de brasileiros detidos ao tentar entrar nos EUA pela fronteira com o México entre 1999 e 2003 -de 488 para 5.008. Segundo o Itamaraty, cerca de 2,5 milhões de brasileiros vivem hoje fora do país. O contingente é o maior já registrado.


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