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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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ESTUDO

Acostumados com estereótipos positivos no Brasil, nipo-brasileiros sofrem com imagem ruim na terra dos ancestrais

Dekassegui vive crise de identidade no Japão

David Guttenfelder - 11.dez.1999/France Press
Professora de dança ensina samba a seus alunos, em Tóquio; ritmo se popularizou no país por influência dos imigrantes do Brasil


FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

O brasilianista americano Jeffrey Lesser gosta de começar a falar sobre a intricada história compartilhada entre o Brasil e o país do sol nascente citando o slogan da Semp Toshiba: "Os nossos japoneses são mais criativos que os japoneses dos outros".
A propaganda, que dificilmente faria sentido em qualquer outro país do mundo, traz uma pergunta essencial. "O que aconteceu nos últimos cem anos no Brasil para que essa frase soe tão bem?", questiona o historiador.
Atrás de respostas, Lesser reuniu sociólogos, antropólogos, historiadores e uma escritora de três países -Estados Unidos, Japão e Brasil. O resultado está em "Searching for Home Abroad: Japanese Brazilians and Transnationalism" (procurando pelo lar no exterior: nipo-brasileiros e o transnacionalismo), livro que sai no final deste mês nos EUA pela Duke University Press.
Professor da Universidade Emory (Atlanta), Lesser, 42, é um dos nomes mais importantes da leva de brasilianistas surgida nos anos 90, em sucessão à geração dos anos 60, de nomes como Thomas Skidmore e Robert Levine.
Entre outros, participam da coletânea a escritora nipo-americana Karen Tei Yamashita, o antropólogo americano Daniel Linger, ambos da Universidade da Califórnia, e o antropólogo japonês Koichi Mori, da Universidade de São Paulo.

Estereótipos trocados
Para Lesser, o slogan da Semp Toshiba mostra que a comunidade nipo-brasileira -estimada em 1,4 milhão de pessoas- soube negociar uma identidade positiva.
"A propaganda revela um grupo de imigrantes que negociou muito bem os estereótipos sobre eles mesmos, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, ligando o japonês a valores positivos, como tecnologia e qualidade. Ao mesmo tempo, é uma crítica ao Japão, que não teria a ginga brasileira. A imagem sugere que o nipo-brasileiro é o melhor dos dois mundos", afirma Lesser, em entrevista à Folha em São Paulo.
De acordo com o brasilianista, ao chegar ao Japão os sinais são invertidos: "Ninguém mais chama essas pessoas de japonês ou japinha. Eles são chamados de brasileiros, pela primeira vez na vida deles todo o mundo está de acordo que eles são brasileiros".
Com a "brasilidade", afirma Lesser, a imagem de trabalhador dá lugar ao estereótipo do preguiçoso, entre outros.
"Aqui no Brasil, as pessoas imaginam que ele trabalhe demais. Lá, todo o mundo imagina que ele só queira festejar."
Cada vez mais, a comunidade brasileira também é associada à prática de crimes. Para os estudiosos, essa imagem se deve à exploração da imprensa japonesa.
"Estão sendo publicadas histórias de roubos de carros e outros crimes praticados por brasileiros, dentro da idéia de que os estrangeiros são responsáveis pelo aumento da violência", disse Mori.

Raízes
O estranhamento com o Japão do cotidiano muitas vezes leva à busca de uma identidade brasileira em plena terra dos ancestrais.
"O nikkei e o mestiço talvez emigrem, em parte, para buscar raízes japonesas, raízes étnicas. O que eles vão descobrindo, porém, não são as raízes japonesas, mas, na verdade, as raízes brasileiras", afirma Lesser.
As lojas de produtos brasileiros estão abarrotadas de CDs de música brega, axé music e de duplas sertanejas.
O artigo assinado pelo brasileiro Angelo Ishi mostra que os dekasseguis compõe músicas de hip-hop no estilo brasileiro para mostrar as dificuldades da vida dos imigrantes no Japão.
Até os concursos de beleza sofrem uma inversão. "Em São Paulo, em concurso de miss a moça veste um quimono, em uma apresentação como uma japonesa imaginada, podemos dizer. No Japão, o que acontece? Primeiro, não tem mais Miss Nikkei, Miss Nipo-brasileira, o concurso é de Miss Brasil. E ela vai de biquíni, ela se comporta como uma brasileira imaginada", disse ele, que tem pesquisado a cidade de Oizumi, uma das maiores comunidades dekasseguis.

Dificuldades
Nos últimos anos, tem sido cada vez mais difícil viver no Japão. O fim do boom econômico dos anos 80 -década em que teve início o fenômeno dos dekasseguis- deu lugar a períodos de crise e baixo crescimento.
Além disso, os brasileiros -que formam o terceiro maior grupo de imigrantes, com cerca de 273 mil (14,5% dos estrangeiros)- sofrem cada vez mais a competição de outras nacionalidades.
"Os imigrantes chineses e filipinos têm aumentado bastante, pois aceitam trabalhar ganhando menos", afirma Akihito Tanaka, diretor-superintendente do Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior.
Os números do governo japonês confirmam a afirmação de Tanaka: entre 2001 e 2002 a imigração filipina teve um aumento de 9,1%, e a chinesa, de 11,3%.
No mesmo período, a população de imigrantes brasileiros aumentou apenas 0,9%.
Porém, com exceção de 1998, em nenhum ano a população brasileira diminuiu no Japão -sinal de que, mesmo com perspectivas menos favoráveis, alguns dekasseguis já não pensam em voltar.
"Muitos brasileiros vão ficar lá, principalmente pessoas que não têm bens no Brasil. É o caso de jovens solteiros de cidades médias e grandes", afirma Mori, tem pesquisado os imigrantes okinawanos e seus descendentes no Brasil (leia glossário nesta página).
Um dos grandes desafios para os que ficam é a dura legislação japonesa. Pela lei, nem mesmo os filhos de brasileiros são considerados cidadãos japoneses, o que limita as oportunidades de educação e emprego.
"O meu medo é que os brasileiros acabem apenas produzindo uma mão-de-obra braçal", afirma o antropólogo japonês.



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