São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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Policiais e militares imprimem recordação do Katrina na pele

DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA ORLEANS

No terceiro andar de um hotel sem luz a três quadras da principal rua do que restou de Nova Orleans, Reese Purcell, 40, torna indelével para algumas pessoas a experiência de estar na cidade destruída depois do furacão Katrina. Os braços inteiramente cobertos por desenhos revelam sua profissão: ele é um tatuador.
Purcell, como muitos que ainda estão em Nova Orleans, ficou para proteger sua loja, na rua Canal, tomada por caminhões de redes de TV e carros da polícia, que montou sua central hotéis da rua.
Os turistas bêbados se foram, os músicos são poucos, mas Reese tem novos clientes, os policiais e militares. Desde a passagem do furacão, ele conta já ter feito 12 tatuagens, e só uma não foi em forças de segurança. Os pedidos são monotemáticos e têm o nome de uma mulher, Katrina.
"A maioria até agora pediu dragões, com um Katrina 2005 embaixo, mas um outro queria só a palavra e um pequeno furacão, na perna", diz o tatuador.
Numa cidade sem energia, sem água e sem telefone, a cobrança não é em dinheiro. "Peço um pouco de comida, uísque e só o dinheiro para repor o material depois que tudo isso acabar", conta, ao lado de três amigos e uma garrafa de Jack Daniels pela metade.
A ordem do prefeito Ray Nagin para deixar a cidade parece não assustar o grupo. Além deles, havia mais cinco "hóspedes" no hotel, que ontem à tarde estavam a andar pela cidade. "Eles não podem nos tirar daqui, é contra a Constituição", afirma Ed Keyes, 41, que é quem tinha as chaves do hotel e se tornou uma espécie de segurança informal do lugar. Sem camiseta e com um boné onde se lê "segurança", ele diz que ficou para proteger o local, onde antes prestava serviços de eletricista.
"Aqui é seco e temos comida, não há por que sair", fala Melissa Evans, 20. "O prefeito diz que todos têm de sair, mas todo mundo já está descontente, e a última coisa que eles querem é a imagem de velhinhos sendo arrancados à força de suas casas na TV", diz Reese.
Mas com a cidade imunda, muitas partes sob a água e a total falta de estrutura, por que não sair? "Esse país é uma democracia, temos uma lei dos direitos, e é nosso direito morar onde quisermos. Essa ordem [de evacuação] é fascista", fala Reese, que não crê que a polícia vá tirá-los de onde estão.


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