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ONGs têm dificuldades para distribuir alimentos
ENVIADO ESPECIAL A FAYZABAD
Domenic Mac Sorley trava uma
angustiante batalha contra o tempo. Diretor do programa afegão
da Concern, entidade não-governamental irlandesa, faz três semanas que não consegue transportar
comida para cerca de 150 mil pessoas que passam fome no norte
do Afeganistão.
A ameaça de ataques americanos desde 11 de setembro, dia dos
atentados contra os EUA, tornou
mais difícil entrar no país e paralisou a distribuição. O início da retaliação pode piorar ainda mais
esse quadro.
O governo do Tadjiquistão, país
de onde os caminhões da Concern viajam para o norte afegão, e
os militares russos, que controlam a fronteira, complicaram ainda mais a confusa e ineficiente burocracia local.
Após um périplo de dias e horas
de espera por escritórios e a embaixada da Aliança do Norte na
capital tadjique (Dushanbe), Domenic voou na segunda-feira à
tarde em um velho avião militar
soviético para Fayzabad com uma
boa notícia. Obteve as autorizações necessárias, mas ainda temia
que a operação militar americana
pudesse criar novos embaraços.
Hoje ou amanhã, cerca de 75
afegãos que trabalham na ponta
da linha para a Concern deverão
receber pelo menos 60 toneladas
de alimentos para distribuir em
um mês. Em caminhões, a carga
vem do Tadjiquistão e do Cazaquistão, ex-repúblicas soviéticas
da Ásia central. A Concern distribui alimentos doados pelo WFP
-sigla em inglês do Programa
Mundial de Comida da ONU (Organização das Nações Unidas).
"Sessenta toneladas é pouco,
mas é o possível nessas condições.
O inverno está se aproximando,
tudo pode ficar mais difícil e temos que tentar trazer mais alimentos. Outras entidades de ajuda têm enfrentando os mesmos
problemas", diz Domenic, um comunicativo e simpático irlandês
de 45 anos, que há mais de 20 anos
trabalha mundo afora em programas desse tipo.
Em situações "normais", a entidade distribui no local entre 200 e
250 toneladas de comida -uma
média de 6 kg por família, quantia
que funciona como complemento
aos alimentos que os próprios assistidos obtêm com sua agricultura de subsistência.
Apesar da vista linda, com montanhas cor de areia, o norte do
Afeganistão é seco e ruim para a
agricultura, mas há vales com rios
onde plantam-se legumes, frutas,
trigo, girassol e algum milho.
A Concern também distribui
água, cobertores, tendas, material
básico de limpeza, fogões, além de
organizar frentes de trabalho para
abrir estradas. No inverno, vilas
inteiras ficam isoladas. A Concern
constrói estradas e melhora as já
existentes para que populações
não fiquem ilhadas.
Veneno
Outro trabalho fundamental é
conscientizar os assistidos a não
comer um pão feito de farinha de
trigo misturada a raízes tóxicas da
região. Nos casos mais desesperadores, há quem coma só a farinha
dessas plantas. Crianças e idosos
morreram no inverno passado
alimentando-se assim. Homens e
mulheres saudáveis podem ter
graves problemas digestivos. A
diarréia é um dos menores deles.
Nas ruas de Fayzabad, é possível
encontrar esse tipo de pão, que
tem um gosto amargo e uma textura mais dura do que a normal.
Com 3.000 funcionários na Irlanda e 120 espalhados por 26 países, a Concern habitualmente
contrata mão-de-obra local para
executar o trabalho de campo.
Domenic estava no Paquistão,
onde a entidade socorre refugiados nas cidades de Peshawar e de
Quetta, e deve ficar duas semanas
no norte do Afeganistão para tentar reorganizar minimamente o
programa.
"Os bombardeios devem dificultar ainda mais o nosso trabalho, aumentando o número de
pessoas que precisarão de ajuda e
criando mais embaraços burocráticos", afirma Domenic, que se
mostra cético em relação à eficiência da "guerra contra o terror" dos Estados Unidos.
Para o diretor da Concern, os
bombardeios vão produzir pouco
resultado em relação aos terroristas, mas poderão apear o Taleban
do poder. "Se o Taleban cair, Bin
Laden não ficará no Afeganistão.
O objetivo principal dos bombardeios talvez não venha a ser atingido", opina Domenic, que diz
que já está falando demais de geopolítica e brinca que deve parar de
dar atenção a jornalistas e cuidar
de levar assistência a quem precisa.
(KENNEDY ALENCAR)
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