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ANÁLISE
Bush e Blair já perderam a guerra de palavras
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"
Bush e Blair podem dizer ao
mundo que vencerão a "guerra
contra o terrorismo", mas, no
Oriente Médio, onde Osama bin
Laden ganha status quase mítico
entre árabes, eles já perderam.
Quer seja um ministro libanês,
um jornalista saudita, um bancário jordaniano ou um egípcio, a
resposta é a mesma: a voz de Bin
Laden, transmitida repetidas vezes para milhões de residências,
expressa reivindicações e ressentimentos -sem falar na fúria-
dos muçulmanos do Oriente Médio, que têm visto seus governantes evitarem críticas sérias ao
bombardeio do Afeganistão.
Quando assistiram ao último videoteipe de Bin Laden, o Ocidente
se concentrou no que ele disse sobre as atrocidades nos EUA. Se ele
expressou sua aprovação, apesar
de negar qualquer responsabilidade individual, isso não significa
que, na realidade, era ele quem estava por trás do massacre de 11 de
setembro? Já os árabes escutaram
o discurso com outros ouvidos.
Eles ouviram uma voz que acusou
o Ocidente de aplicar critérios distintos a países e povos diferentes e
de agir com arrogância em relação ao Oriente Médio, uma voz
que pôs o dedo na ferida e falou
do problema fundamental da vida
de muitos árabes: o conflito palestino-israelense e a continuidade
da ocupação israelense.
Agora, como disse ontem um
morador do Cairo, os árabes acreditam que os EUA "estão tentando matar o único homem disposto a falar a verdade".
Os civis árabes, normalmente
relutantes em identificar-se quando seus pontos de vista divergem
dos do governo, andam falando
mais abertamente sobre sua indignação. "Eles dizem que seu alvo é Bin Laden", comentou Samar
al-Naji, na Jordânia. "Então atacam pessoas inocentes no Afeganistão. Eles atacam muçulmanos,
ao mesmo tempo em que ignoram os atos de Israel, o Estado terrorista que demole casas de palestinos e mata mulheres e crianças."
Al-Naji, 29, é bancário -não chega a ser versado em política.
Na Universidade Ain Shams, no
Cairo, orações foram feitas pelos
mortos do Afeganistão, e na cidade de Zagazig, no delta do rio Nilo, os estudantes foram direto ao
cerne do problema de todos os regimes árabes pró-ocidentais. "Por
que vocês mantêm silêncio, governantes nossos?", foi uma das
palavras de ordem. "Receberam
ordens da América?" É claro que
isso é bobagem. Os governantes
dos regimes árabes que costumamos qualificar como "moderados" não precisam de ordens para
dar seu apoio discreto ao Ocidente. E vale lembrar que Bin Laden
prega a derrubada deles.
É apenas em países árabes mais
livres que os ministros de Estado
podem dizer o que pensam. O ministro libanês da Informação,
Ghazi Aridi, vê a declaração de
Osama bin Laden como "manobra inteligente". Segundo ele, está
ocorrendo "um incitamento internacional contra uma só pessoa.
Se ele for morto, vai se tornar um
símbolo. Se sobreviver, se tornará
um símbolo ainda mais forte".
Sentimentos na região do Golfo
estão à flor da pele. Um jornalista
saudita conta: "Conheço idosas
que ficam acordadas até tarde para fazer orações por Bin Laden.
Sua aparição na televisão foi um
ótimo golpe de relações públicas,
especialmente quando falou da
Palestina. As pessoas não o elogiam em público; nada é comentado nas mesquitas. Porém, em
particular, todos falam dele."
Já um editor saudita, Jamal Kashoggi, afirmou que muitos sauditas fazem fortes críticas a Bin Laden, dizendo que ele está denegrindo a imagem do islã, e prevêem um desfecho menos pessimista no Afeganistão. "Em Candahar não há apenas defensores
do Taleban, mas também da monarquia", ele disse. "Os afegãos
que se decepcionaram com os
mujahidines anti-soviéticos e se
voltaram ao Taleban agora estão
decepcionados com o Taleban e
talvez aceitem o retorno da monarquia." Mas esse ponto de vista,
que quase certamente coincide
com o da família real saudita, pode ser minoritário no país.
Em países que vêm sofrendo os
efeitos de um "terrorismo" muito
maior, em termos de morte e sofrimento, a própria linguagem
usada pelo presidente Bush vem
sendo motivo de muita revolta.
"Estou farto de ouvir falar em
terrorismo, terrorismo, terrorismo", gritou comigo o administrador de uma importante construtora libanesa. "Quando vocês têm
inimigos, eles são "terroristas",
"loucos" ou "criminosos". Quando
nós temos inimigos, vocês pedem
que nos conciliemos com eles.
Vocês têm Bin Laden. Nós temos
Sharon, que é amigo de vocês e a
quem Bush dá a mão."
Muitos libaneses acham que o
atual primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, deveria ser indiciado como criminoso de guerra
por sua atuação nos massacres
dos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em 1982,
nos quais até 1.800 civis foram assassinados em três dias pelas milícias cristãs aliadas de Israel, enquanto o exército israelense assistia tudo de fora dos campos.
Tradução de Clara Allain
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