São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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RESISTÊNCIA

Governo paquistanês manda prender três clérigos islâmicos que defendem o Taleban

Cinco morrem em protestos contra os EUA no Paquistão

RICHARD LLOYD PARRY
DO "THE INDEPENDENT", EM PESHAWAR

O governo militar do Paquistão prendeu três clérigos islâmicos militantes ontem, e cinco pessoas morreram no segundo dia de manifestações contra os bombardeios de EUA e Reino Unido no Afeganistão.
Quatro das mortes ocorreram em Kuchlak, perto de Quetta (sudoeste do país), quando a polícia abriu fogo contra uma multidão que atacara um banco e uma agência dos correios. Entre as vítimas está um menino de 13 anos. A outra morte foi registrada em Hangu, na mesma região.
Não houve, contudo, a repetição das cenas vistas em Quetta anteontem, quando multidões de manifestantes percorreram a cidade, fazendo tumulto e ateando fogo a cinemas, escritórios e instalações da ONU.
A situação na capital paquistanesa, Islamabad, se manteve calma, mas policiais e soldados tomaram a precaução de construir ninhos de canhões com sacos de areia em edifícios vulneráveis do governo e embaixadas de países ocidentais.
O presidente paquistanês, general Pervez Musharraf, disse que, "numa sociedade islâmica, não há lugar para extremismo e violência contra qualquer outro grupo ou religião". Mas seu governo seguiu adiante com a repressão cautelosa aos críticos extremistas, que já vem sendo feita nos últimos dias.
Os paquistaneses possuem fortes laços com os afegãos. Os dois países são muçulmanos sunitas, e parte dos paquistaneses pertence à etnia pashtu, que é majoritária no Afeganistão e entre os integrantes da milícia Taleban, que controla a maior parte do território afegão.
O Paquistão é o único país no mundo que ainda reconhece o regime extremista islâmico do Taleban.
Ontem, três líderes de grupos islâmicos -defensores do Taleban, que vêm organizando ruidosos protestos antiamericanos- foram mantidos em prisão domiciliar.
Um deles é Maulana Fazal-ur Rehman, líder do partido Jamiat Ulema-e-Islam, detido pela terceira vez em três dias. O líder do partido Sipah-e-Sahaba, cujos filiados já combateram ao lado do Taleban no interior do Paquistão, foi detido no aeroporto de Lahore quando estava prestes a embarcar em um vôo para Islamabad.

"Minoria insignificante"
O general Musharraf afirma que os manifestantes representam uma minoria insignificante no Paquistão, e os acontecimentos dos últimos dois dias levam a crer que talvez ele tenha razão. Apesar do tom apocalíptico dos slogans gritados pelos manifestantes, a violência real tem sido surpreendentemente pequena.
Os acontecimentos de ontem em Peshawar, capital da Província paquistanesa da Fronteira Noroeste, foram um bom exemplo disso. Durante a manhã inteira slogans de gelar o sangue reverberaram dos alto-falantes colocados na maior mesquita da área, Khyber Bazaar.
Um após o outro, os oradores denunciavam os Estados Unidos, faziam críticas violentas a George W. Bush e Tony Blair e juravam combater até a morte ao lado do Taleban.
Policiais e soldados armados com cassetetes, lançadores de gás lacrimogêneo e um veículo blindado de transporte de tropas ficaram à espera diante da mesquita. Depois de algum tempo, um grupo de várias centenas de pessoas saiu, encabeçado por um grupo de mulás. "Abaixo George Bush e Tony Blair! Morte à América! Musharraf é um cão!", berrava Atau Rahman, irmão de um dos clérigos detidos. "O Paquistão deveria pegar suas armas nucleares e usá-las contra a América."
Ao mesmo tempo, porém, ele pediu desculpas às dezenas de jornalistas estrangeiros presentes pelo empurra-empurra em que alguns deles tinham se envolvido durante a manifestação do dia anterior e teve o cuidado de instruir seus seguidores a tratá-los, em todos os momentos, como "hóspedes". Pouco depois, a manifestação terminou sem incidentes.
No porto de Karachi, que é a mais violenta das cidades paquistanesas, 5.000 pessoas fizeram uma passeata pacífica, e 2.000 outras se reuniram na cidade fronteiriça de Chaman. Mas, no coração do Paquistão, a Província do Punjab, a situação ainda é de calma quase completa. Os manifestantes que saíram às ruas na província não passaram de algumas centenas, e, apesar das palavras de ordem sanguinárias de sempre e de algumas pedras atiradas, não houve violência séria.



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