São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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Mãe adotiva luta pelo fim do estigma da doença

DA REDAÇÃO

Quando a sul-africana Gail Johnson, 53, adotou Xolani Nkosi, os médicos tinham dado ao garoto de 2 anos apenas mais nove meses de vida. Nkosi conseguiu chegar aos 12. "Parte dessa vida se deve ao fato de ele estar num ambiente normal", diz Jonhson, que, junto com o filho adotivo, transformou-se num símbolo para as ONGs que tentam oferecer um lar às crianças com HIV que perderam os pais ou são abandonadas.
Jonhson, que é casada e tem dois filhos naturais, dirige o Nkosi's Haven, em Johannesburgo, um albergue para mães infectadas e seus filhos. Leia a seguir os trechos de sua entrevista à Folha.

Folha - O que levou a senhora a adotar uma criança com HIV?
Gail Johnson -
Um amigo do meu irmão teve Aids e sofreu muito por causa do estigma e do isolamento. Depois que ele morreu, em 1991, eu achei que tinha de fazer algo. Eu estava envolvida em montar um centro de ajuda para doentes, e, quando o centro fechou por falta de fundos, todos começaram a perguntar o que aconteceria com Nkosi. A mãe dele falou que precisava de ajuda e eu disse que ficaria com o garoto.

Folha - Como a senhora analisa a relutância da sociedade em adotar crianças com HIV?
Johnson -
Há dois aspectos. O primeiro é que em países como a África do Sul e o Brasil há um grande número de pessoas pobres, que não têm dinheiro para alimentar uma boca a mais, seja um órfão da Aids ou uma criança soropositiva. Depois há a questão do estigma do HIV, que é bastante intenso. Além disso, via de regra, ninguém se coloca na posição de adotar uma criança que ao longo do tempo vai morrer. Eu gostaria que a adoção de crianças soropositivas ficasse mais comum simplesmente porque elas precisam ser aceitas, precisam de cuidados. Nkosi fez 12 anos no domingo passado e, com cuidado e medicamentos, ele conseguiu viver todos esses anos. Eu acho que parte dessa vida se deve ao fato de ele estar num ambiente normal.

Folha - Como oferecer esse ambiente normal se é tão difícil encontrar uma família para estas crianças?
Johnson -
As pessoas precisam aceitá-las. Eu criei Nkosi de uma forma que ele não sentisse vergonha da doença. Para ele, dizer que era soropositivo era como dizer que estava gripado. E eu acho que é isso que podemos fazer pelas pessoas e crianças infectadas. Dar o que a gente puder pela duração de suas vidas.

Folha - Ele nunca sentiu medo da doença?
Johnson -
Quando a mãe de Nkosi morreu, ele disse: "Todo mundo que tem Aids morre". Eu falei: "Querido, no momento a maioria das pessoas morrem. Mas na África do Sul você morre em acidentes de carro, de câncer, de tiros de revólver, você pode morrer de qualquer jeito". Na semana antes de ele entrar em coma, nós falamos bastante sobre isso. Ele estava com medo de morrer porque não queria ir sem mim, não queria me perder. É difícil explicar o que é a morte para um menino de 12 anos. Quando a criança tem 6 anos, você fala de anjos, mas quando tem 12 você precisa falar da morte com mais profundidade. Como lidar com isso?

Folha - Como a senhora se sente em relação à forma como o governo da África do Sul está lidando com a Aids?
Johnson -
É muito difícil aceitar a atitude do governo quando pessoas estão morrendo. Eu não entendo por que o governo nacional continua negando a Aids. Estamos perdendo tempo e isso é apavorante. (MD)


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