São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

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ANÁLISE
Bombas destroem país, mas Milosevic se fortalece

enviado especial a Pristina

Milosevic conseguiu uma meia vitória no conflito que dura 19 dias na Iugoslávia. A Otan asfixia economicamente o país, mas o presidente iugoslavo venceu a guerra contra os separatistas do ELK (Exército de Libertação de Kosovo) e expulsou multidões de albaneses da Província.
Com poderio militar para devastar a Iugoslávia, a Otan "esqueceu-se" de que o Exército iugoslavo possuía armas para aniquilar o ELK e matar civis, promovendo o clima de terror que gerou o exôdo de kosovares de origem albanesa.
A Otan não previu esse desastre político e humano. Alega que o movimento de refugiados já existia antes do ataque. No entanto, deu a desculpa de que Milosevic precisava para acelerar a "limpeza étnica". Segundo oficiais britânicos, 1,1 milhão foram desalojados em Kosovo. Estima-se que, antes do conflito, havia 1,8 milhão de habitantes na Província -90% deles de origem albanesa.
Parte significativa dos refugiados não voltará quando o Ocidente dobrar Belgrado, o que provavelmente acontecerá. Só não se sabe em quanto tempo. Quanto mais demorar, mais improvável será o retorno.
Durante a viagem que fez a Pristina, a Folha constatou que o Exército iugoslavo domina a Província. As tropas estão bem posicionadas. Há casas comuns que servem de alojamento militar e que podem não ser descobertas pelos caças da Otan.
Os soldados iugoslavos conhecem o relevo montanhoso. Causarão muitas baixas se a Otan enviar tropas terrestres, o que teria sido uma forma eficiente de abreviar o conflito se tivesse ocorrido simultaneamente à campanha aérea.
A presença militar sérvia em Kosovo é um dos nós da crise. A Otan sabe que o preço a pagar por uma ocupação por terra agora poderá ser alto demais para a opinião ocidental, principalmente a dos EUA. Mas essa pode ser a única alternativa se a Iugoslávia resistir ao bombardeio.
Milosevic sabe disso. Um acordo agora seria o ideal para ele. Pararia a destruição de fábricas e prédios públicos. E ainda teria uma Província com nova correlação étnica. É difícil aferir qual seria, mas Pristina parece uma cidade deserta. Pode-se inferir que é significativo o êxodo albanês, fato que será vendido como uma vitória da Sérvia "na-defesa-do-berço-de-sua-civilização".
A Otan percebeu que Milosevic ganhou a guerra interna, mas sente o peso da maior máquina militar do planeta. O bombardeio destrói a infra-estrutura, mas mata civis, o que ajuda a unir a população e o governo.
Resta saber até que ponto o Ocidente está disposto a massacrar um país para forçar Milosevic a retirar suas tropas de Kosovo e a aceitar o acordo que dê autonomia à Província. A Iugoslávia pode se transformar num novo Iraque. O país foi destruído, mas o ditador Saddam Husseim continua no poder. (KA)



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