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INFÂNCIA ALVEJADA
Estatística se refere ao número de menores mortos em conflitos nos últimos dez anos, segundo o Unicef
Guerras matam 2 milhões de crianças
OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local
Cerca de 2 milhões de crianças morreram
em conflitos armados nos últimos dez anos,
segundo estimativa divulgada
pelo Unicef (Fundo das Nações
Unidas para a Infância).
O número é pouco inferior à população de Belo Horizonte (MG),
que, em 1996, tinha 2.091.371 habitantes (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outros 6 milhões de menores de
idade foram gravemente feridos
ou mutilados desde 1987 e 10 milhões sofrem de problemas psicológicos resultantes de experiências
traumáticas.
De acordo com o Unicef, há cerca
de 1 milhão de menores de idade
órfãos e sem família e 12 milhões
de crianças que tiveram de abandonar suas casas durante guerras.
As estatísticas constam de um relatório da Organização das Nações
Unidas de outubro de 1998.
Segundo o estudo, as vítimas
vêm de cerca de 50 países que tiveram ou ainda têm conflitos na última década. Não há números específicos sobre o número de mortos
em cada um deles.
Afeganistão, Argélia, Angola,
Bósnia, Camboja, Croácia, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Irã,
Iraque, Irlanda do Norte, Israel
(territórios ocupados), Iugoslávia,
Líbano, Moçambique, Peru, Ruanda e Sudão estão na lista.
Nas últimas duas semanas, a situação das crianças de Kosovo tem
despertado especial atenção.
Segundo o diretor de comunicação do comitê espanhol do Unicef,
José Juan Ortiz Bru, há cerca de 250
mil crianças nos campos de refugiados da Albânia, Macedônia e
Montenegro.
Cerca de 900 mil kosovares de
origem albanesa deixaram suas casas no último ano devido ao conflito entre o Exército de Libertação
de Kosovo (separatista) e forças
iugoslavas. O êxodo se agravou
com os bombardeios da Otan.
A população de origem albanesa
de Kosovo (que, antes da guerra,
representava 90% da população da
Província) tem uma das mais altas
taxas de natalidade da Europa.
O impacto de conflitos armados
sobre crianças se tornou uma prioridade da ONU a partir de 93,
quando a entidade encomendou
uma investigação sobre o tema à
moçambicana Graça Machel.
Graça Machel, 52, foi casada com
o ex-presidente de Moçambique
Samora Machel. Ele liderou a luta
do país pela independência de Portugal, conquistada em 1975, e morreu em 86 num acidente de avião.
No ano passado, Graça Machel se
casou com o presidente da África
do Sul, Nelson Mandela.
Em 96, ela divulgou seu estudo,
intitulado "Impacto de Conflitos
Armados sobre as Crianças".
"A guerra viola todos os direitos
da criança: o direito à vida e a estar
com sua família e sua comunidade,
o direito à saúde e ao desenvolvimento de sua personalidade, o direito a ser alimentada e protegida",
diz Graça.
Em seu relatório, ela propôs à
ONU a criação de uma comissão
com o objetivo específico de amenizar os efeitos de conflitos armados sobre as crianças.
"As necessidades e as aspirações
das crianças estão acima de ideologias e culturas, pois são as mesmas
em qualquer sociedade", diz. "Elas
podem ser uma força unificadora
que ajude adversários a respeitar
uma ética comum."
Em 97, o ugandense Olara A.
Otunnu foi designado representante especial da ONU para Crianças e Conflitos Armados.
Em 98, ele publicou um segundo
estudo sobre o assunto, que, além
das estatísticas acima, traz informações assustadoras.
"Na Primeira Guerra Mundial,
5% das vítimas eram civis. Na Segunda Guerra, esse número subiu
para 48%. Nos conflitos atuais,
90% das vítimas são civis e cerca de
80% delas são mulheres e crianças", diz Otunnu.
Segundo o representante da
ONU, os conflitos recentes são, em
sua maioria, internos (ocorrem
dentro das fronteiras dos países) e
envolvem grupos armados semi-autônomos.
"As normas internacionais que
regulamentam as guerras entre Estados são ignoradas", afirma.
"A vila se tornou o campo de batalha e os conflitos colocam vizinhos em lados opostos", diz.
Segundo Otunnu, os ataques a civis são vistos como prioritários.
"As crianças são especificamente
vistas como alvos, numa estratégia
que visa eliminar a próxima geração de adversários em potencial."
Elas também têm sido usadas como soldados. Segundo a Anistia
Internacional, há um exército de
300 mil crianças lutando atualmente em conflitos no mundo.
"Além de serem deliberadamente assassinadas ou de morrerem no
fogo cruzado, em explosões de minas ou devido a doenças e à desnutrição, milhões perdem seus pais e
suas casas, sem falar nos anos de
estudo desperdiçados", diz.
"Permitir que isso ocorra é projetar uma sombra sobre o futuro.
Aqueles que sofrem abusos hoje
cometerão abusos amanhã."
Entre as ações empreendidas no
momento pelo representante da
ONU, está uma campanha para
tornar mais rígida a legislação.
Ele propõe que o recrutamento
de menores de idade e o ataque a
prédios utilizados por crianças,
como escolas e hospitais, sejam
considerados crimes de guerra, a
serem julgados por um Tribunal
Penal Internacional (em processo
de criação pela ONU).
"Mesmo em épocas de guerra, é
importante a maneira como as
crianças são tratadas. Aqueles que
violentam seus direitos e o das mulheres, como parte de um esforço
de guerra, devem pagar um alto
preço", diz Otunnu.
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