São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INFÂNCIA ALVEJADA
Estatística se refere ao número de menores mortos em conflitos nos últimos dez anos, segundo o Unicef
Guerras matam 2 milhões de crianças

OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local


Cerca de 2 milhões de crianças morreram em conflitos armados nos últimos dez anos, segundo estimativa divulgada pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
O número é pouco inferior à população de Belo Horizonte (MG), que, em 1996, tinha 2.091.371 habitantes (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outros 6 milhões de menores de idade foram gravemente feridos ou mutilados desde 1987 e 10 milhões sofrem de problemas psicológicos resultantes de experiências traumáticas.
De acordo com o Unicef, há cerca de 1 milhão de menores de idade órfãos e sem família e 12 milhões de crianças que tiveram de abandonar suas casas durante guerras.
As estatísticas constam de um relatório da Organização das Nações Unidas de outubro de 1998.
Segundo o estudo, as vítimas vêm de cerca de 50 países que tiveram ou ainda têm conflitos na última década. Não há números específicos sobre o número de mortos em cada um deles.
Afeganistão, Argélia, Angola, Bósnia, Camboja, Croácia, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Irã, Iraque, Irlanda do Norte, Israel (territórios ocupados), Iugoslávia, Líbano, Moçambique, Peru, Ruanda e Sudão estão na lista.
Nas últimas duas semanas, a situação das crianças de Kosovo tem despertado especial atenção.
Segundo o diretor de comunicação do comitê espanhol do Unicef, José Juan Ortiz Bru, há cerca de 250 mil crianças nos campos de refugiados da Albânia, Macedônia e Montenegro.
Cerca de 900 mil kosovares de origem albanesa deixaram suas casas no último ano devido ao conflito entre o Exército de Libertação de Kosovo (separatista) e forças iugoslavas. O êxodo se agravou com os bombardeios da Otan.
A população de origem albanesa de Kosovo (que, antes da guerra, representava 90% da população da Província) tem uma das mais altas taxas de natalidade da Europa.
O impacto de conflitos armados sobre crianças se tornou uma prioridade da ONU a partir de 93, quando a entidade encomendou uma investigação sobre o tema à moçambicana Graça Machel.
Graça Machel, 52, foi casada com o ex-presidente de Moçambique Samora Machel. Ele liderou a luta do país pela independência de Portugal, conquistada em 1975, e morreu em 86 num acidente de avião.
No ano passado, Graça Machel se casou com o presidente da África do Sul, Nelson Mandela.
Em 96, ela divulgou seu estudo, intitulado "Impacto de Conflitos Armados sobre as Crianças".
"A guerra viola todos os direitos da criança: o direito à vida e a estar com sua família e sua comunidade, o direito à saúde e ao desenvolvimento de sua personalidade, o direito a ser alimentada e protegida", diz Graça.
Em seu relatório, ela propôs à ONU a criação de uma comissão com o objetivo específico de amenizar os efeitos de conflitos armados sobre as crianças.
"As necessidades e as aspirações das crianças estão acima de ideologias e culturas, pois são as mesmas em qualquer sociedade", diz. "Elas podem ser uma força unificadora que ajude adversários a respeitar uma ética comum."
Em 97, o ugandense Olara A. Otunnu foi designado representante especial da ONU para Crianças e Conflitos Armados.
Em 98, ele publicou um segundo estudo sobre o assunto, que, além das estatísticas acima, traz informações assustadoras.
"Na Primeira Guerra Mundial, 5% das vítimas eram civis. Na Segunda Guerra, esse número subiu para 48%. Nos conflitos atuais, 90% das vítimas são civis e cerca de 80% delas são mulheres e crianças", diz Otunnu.
Segundo o representante da ONU, os conflitos recentes são, em sua maioria, internos (ocorrem dentro das fronteiras dos países) e envolvem grupos armados semi-autônomos.
"As normas internacionais que regulamentam as guerras entre Estados são ignoradas", afirma.
"A vila se tornou o campo de batalha e os conflitos colocam vizinhos em lados opostos", diz.
Segundo Otunnu, os ataques a civis são vistos como prioritários. "As crianças são especificamente vistas como alvos, numa estratégia que visa eliminar a próxima geração de adversários em potencial."
Elas também têm sido usadas como soldados. Segundo a Anistia Internacional, há um exército de 300 mil crianças lutando atualmente em conflitos no mundo.
"Além de serem deliberadamente assassinadas ou de morrerem no fogo cruzado, em explosões de minas ou devido a doenças e à desnutrição, milhões perdem seus pais e suas casas, sem falar nos anos de estudo desperdiçados", diz.
"Permitir que isso ocorra é projetar uma sombra sobre o futuro. Aqueles que sofrem abusos hoje cometerão abusos amanhã."
Entre as ações empreendidas no momento pelo representante da ONU, está uma campanha para tornar mais rígida a legislação.
Ele propõe que o recrutamento de menores de idade e o ataque a prédios utilizados por crianças, como escolas e hospitais, sejam considerados crimes de guerra, a serem julgados por um Tribunal Penal Internacional (em processo de criação pela ONU).
"Mesmo em épocas de guerra, é importante a maneira como as crianças são tratadas. Aqueles que violentam seus direitos e o das mulheres, como parte de um esforço de guerra, devem pagar um alto preço", diz Otunnu.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.