São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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ORIENTE MÉDIO

Vestígios do cotidiano durante o cerco estavam por todos os lados; gruta de Jesus foi um dos lugares mais preservados

Igreja ficou suja, mas não foi destruída

DA REDAÇÃO

Um forte cheio de urina. Pratos sujos empilhados. Cobertores imundos recobrindo o chão. O complexo da igreja da Natividade estava ontem repleto de sujeira ao final de 38 dias do cerco militar israelense.
Apesar da sujeira, o interior do local que é um dos mais sagrados do cristianismo -foi numa gruta situada sob a edificação que Jesus nasceu, segundo a tradição cristã- não foi destruído.
Jornalistas que visitaram a igreja após o desfecho da crise ontem disseram que a gruta foi um dos lugares que permaneceram mais limpos e intocados.
"Até onde consegui ver, a gruta estava absolutamente intocada", contou Anne Garrels, da National Public Radio dos EUA, uma das primeiras a entrar.
Segundo alguns padres, por ser o local mais quente da igreja, militantes palestinos inicialmente dormiam em seu interior. A pedidos dos religiosos, que desejavam continuar a fazer os ritos cristãos na gruta, eles improvisaram suas "camas" em outro lugar.
Em vista da gravidade do enfrentamento -Israel trocou tiros e diversas ocasiões com palestinos refugiados na igreja-, os danos materiais não foram grandes. Algumas vidraças foram quebradas. Um mosaico no teto, feito no século 12, que teria sido atingido por balas, continua em boas condições, assim como uma estátua da Virgem Maria (no complexo da igreja) também baleada. Um ambiente reservado para estudos religiosos apresentava algumas marcas de um incêndio -provocado por tentativas de entrada no complexo da igreja, segundo religiosos.
Um padre, que pediu que seu nome não fosse revelado, reclamou dos hábitos de ativistas estrangeiros, acusando-os de desrespeitar a igreja fumando e tomando álcool.
Um religioso mexicano, padre Nicholas, disse ainda que, nos primeiros dias do cerco, militantes palestinos recolheram candelabros e "qualquer coisa que parecesse ouro". Os itens foram posteriormente devolvidos.
Nicholas disse que ele e outros padres deram aos palestinos pão, chá, açúcar e macarrão. Quando acabou a comida, alguns invadiram a cozinha em busca de alimento, segundo ele.
Vestígios da vida tensa e tumultuada na basílica estavam por toda a parte. Entre cobertores sujos e colchões havia pontas de cigarros, isqueiros, um tubo de pasta de dentes, uma loção pós barba, um pente e sacos de plástico.
A palestina cristã Sandy Shaheen, 18, que mora em Belém, chorava ao caminhar dentro da igreja ontem.
"Espero que isso não aconteça novamente. Não deveria acontecer. A igreja deveria ser sempre um local de oração, não de hostilidades", disse o arcebispo Aristarchos, da Igreja Ortodoxa Grega.
Também foram encontradas panelas e um fogãozinho a gás, usado para as poucas refeições quentes.
A alimentação do grupo, aliás, é motivo de controvérsias. Durante todo o período, os palestinos relatavam grande sofrimento por fome das pessoas na igreja.
Ontem, porém, os jornalistas encontraram um armário cheio de comida -mais de 20 sacos de lentilhas e arroz, latas de feijão e óleo de cozinha.
Ainda não se sabe ao certo se os palestinos exageravam em suas descrições ou se o fornecimento de comida aumentou nos últimos dias.
Poucas horas após a transferência dos militantes palestinos para a faixa de Gaza ou para o exílio na Europa, Belém já recuperava a sua dinâmica, com centenas de pessoas reunidas na praça da Manjedoura para reencontrar parentes e amigos. A cidade permaneceu grande parte das últimas cinco semanas sob toque de recolher. Suas ruas, por onde circulavam tanques e blindados israelenses, estavam desérticas.
A entrada do público na igreja, porém, foi retardada por cerca de dez ativistas estrangeiros do chamado Movimento Internacional de Solidariedade. Alegando que Belém não está sob jurisdição israelense, eles se negavam a sair da igreja e tiveram de ser retirados a força por policiais de Israel.
Satisfeitos por retomar o controle da igreja da Natividade, padres gregos e franciscanos tocaram os sinos por vários minutos seguidos e realizaram um serviço religioso.


Com agências internacionais


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