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ANÁLISE
Um gigante sem apoio popular
JAMES BLITZ
DO "FINANCIAL TIMES"
O anúncio de Gordon Brown
de que renunciaria como líder
do Partido Trabalhista, ontem,
representa o final de seus três
turbulentos anos como premiê.
Mas significa muito mais que
isso. Põe fim a um período de
mais de 20 anos durante o qual
Brown foi uma das figuras dominantes na vida política e pública do Reino Unido -primeiro como um dos arquitetos do
Novo Trabalhismo, mais tarde
como ministro das Finanças e,
por fim, como premiê.
Por boa parte dessas duas décadas, Brown formou com
Tony Blair o duopólio que
transformou o Partido Trabalhista e fez dele uma das mais
bem-sucedidas máquinas da
política moderna.
A aliança entre os dois
-Blair, o comunicador e negociador, e Brown, o estrategista
econômico- representava
uma força poderosa que em várias ocasiões arrastou tudo que
havia no caminho.
Mas o cerne dessa dupla sofria de uma falha fatal: a convicção de Brown de que Blair deveria abandonar a cena e entregar a ele o comando do governo.
Depois de anos de pressão sobre Blair, Brown por fim veio a
sucedê-lo em julho de 2007.
Mas a arrogância não demorou a ser sucedida pelo castigo.
Tendo conquistado o posto que
almejava sem uma eleição, o
premiê sofreu repetidos tropeços, e na semana passada, por
fim, fracassou em conduzir os
trabalhistas à sua quarta vitória
eleitoral consecutiva.
Os defensores de Brown alegarão que ele merece reconhecimento por três realizações,
nos 13 últimos anos. Primeiro,
como ministro das Finanças,
ele concedeu independência ao
Banco da Inglaterra e manteve
o Reino Unido fora da união
monetária europeia.
Brown sustentou sua resistência ao euro quando muitos
daqueles que o cercavam -entre os quais Blair- defendiam a
adesão britânica. Enquanto a
Europa calcula as implicações
do resgate à Grécia, muitos britânicos considerarão que a história deu razão a Brown.
Segundo, seus defensores argumentarão que ele ressuscitou o Serviço Nacional de Saúde após um período de crônica
falta de verbas, arrecadando bilhões em tributos a fim de conduzir os gastos britânicos com a
saúde a uma proporção do PIB
semelhante à média europeia.
A realização final -e aquela
que será mais reconhecida no
exterior- é o papel que ele desempenhou na crise mundial.
Em outubro de 2008, Brown
recebeu grandes elogios por
sua decisão de lançar um plano
de recapitalização para os bancos britânicos, medida que acabou copiada por Alemanha, Itália, França e 12 outros países.
Tanto isso quanto o papel
que ele desempenhou na criação do G20, para enfrentar a
crise, recebem forte reconhecimento dos líderes mundiais.
Lado negativo
Apesar disso tudo, os detratores de Brown encontram
muito que ressaltar do lado negativo. A principal acusação
contra ele é que deixará o posto
com o país em sua mais séria
crise fiscal desde a Segunda
Guerra Mundial.
O lema de Brown no comando da economia era que não deveria haver retorno à "expansão e contração" da era conservadora. A expressão veio a afligi-lo impiedosamente quando
os anos de expansão que dominaram a década inicial do Novo
Trabalhismo terminaram em
recessão e inchaço do Estado.
E há outras falhas. Sua obsessão em interferir nos menores
detalhes do governo, confiando
em um pequeno círculo de aliados, fez com que fosse classificado como stalinista.
Obsessão semelhante com a
gestão detalhada da economia
serviu para erodir o apoio dos
empresários britânicos ao Novo Trabalhismo.
Acima de tudo, naquilo que
provavelmente se provou sua
maior fraqueza como primeiro-ministro, ele foi incapaz de
conquistar a simpatia e o apoio
do eleitorado.
No entanto, apesar de todos
os seus defeitos, há uma coisa
de que não se deve duvidar:
Brown foi por 20 anos um gigante no panorama político
britânico, uma figura ao modo
de Gladstone, apelando sempre
a uma "bússola moral".
Talvez venham a ser necessárias décadas para que o Reino
Unido volte a produzir um pensador e estrategista político
dessa grandeza.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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