São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2010

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ANÁLISE

Um gigante sem apoio popular

JAMES BLITZ
DO "FINANCIAL TIMES"

O anúncio de Gordon Brown de que renunciaria como líder do Partido Trabalhista, ontem, representa o final de seus três turbulentos anos como premiê.
Mas significa muito mais que isso. Põe fim a um período de mais de 20 anos durante o qual Brown foi uma das figuras dominantes na vida política e pública do Reino Unido -primeiro como um dos arquitetos do Novo Trabalhismo, mais tarde como ministro das Finanças e, por fim, como premiê.
Por boa parte dessas duas décadas, Brown formou com Tony Blair o duopólio que transformou o Partido Trabalhista e fez dele uma das mais bem-sucedidas máquinas da política moderna.
A aliança entre os dois -Blair, o comunicador e negociador, e Brown, o estrategista econômico- representava uma força poderosa que em várias ocasiões arrastou tudo que havia no caminho.
Mas o cerne dessa dupla sofria de uma falha fatal: a convicção de Brown de que Blair deveria abandonar a cena e entregar a ele o comando do governo. Depois de anos de pressão sobre Blair, Brown por fim veio a sucedê-lo em julho de 2007.
Mas a arrogância não demorou a ser sucedida pelo castigo. Tendo conquistado o posto que almejava sem uma eleição, o premiê sofreu repetidos tropeços, e na semana passada, por fim, fracassou em conduzir os trabalhistas à sua quarta vitória eleitoral consecutiva.
Os defensores de Brown alegarão que ele merece reconhecimento por três realizações, nos 13 últimos anos. Primeiro, como ministro das Finanças, ele concedeu independência ao Banco da Inglaterra e manteve o Reino Unido fora da união monetária europeia.
Brown sustentou sua resistência ao euro quando muitos daqueles que o cercavam -entre os quais Blair- defendiam a adesão britânica. Enquanto a Europa calcula as implicações do resgate à Grécia, muitos britânicos considerarão que a história deu razão a Brown. Segundo, seus defensores argumentarão que ele ressuscitou o Serviço Nacional de Saúde após um período de crônica falta de verbas, arrecadando bilhões em tributos a fim de conduzir os gastos britânicos com a saúde a uma proporção do PIB semelhante à média europeia.
A realização final -e aquela que será mais reconhecida no exterior- é o papel que ele desempenhou na crise mundial. Em outubro de 2008, Brown recebeu grandes elogios por sua decisão de lançar um plano de recapitalização para os bancos britânicos, medida que acabou copiada por Alemanha, Itália, França e 12 outros países. Tanto isso quanto o papel que ele desempenhou na criação do G20, para enfrentar a crise, recebem forte reconhecimento dos líderes mundiais.

Lado negativo
Apesar disso tudo, os detratores de Brown encontram muito que ressaltar do lado negativo. A principal acusação contra ele é que deixará o posto com o país em sua mais séria crise fiscal desde a Segunda Guerra Mundial.
O lema de Brown no comando da economia era que não deveria haver retorno à "expansão e contração" da era conservadora. A expressão veio a afligi-lo impiedosamente quando os anos de expansão que dominaram a década inicial do Novo Trabalhismo terminaram em recessão e inchaço do Estado.
E há outras falhas. Sua obsessão em interferir nos menores detalhes do governo, confiando em um pequeno círculo de aliados, fez com que fosse classificado como stalinista. Obsessão semelhante com a gestão detalhada da economia serviu para erodir o apoio dos empresários britânicos ao Novo Trabalhismo.
Acima de tudo, naquilo que provavelmente se provou sua maior fraqueza como primeiro-ministro, ele foi incapaz de conquistar a simpatia e o apoio do eleitorado.
No entanto, apesar de todos os seus defeitos, há uma coisa de que não se deve duvidar: Brown foi por 20 anos um gigante no panorama político britânico, uma figura ao modo de Gladstone, apelando sempre a uma "bússola moral".
Talvez venham a ser necessárias décadas para que o Reino Unido volte a produzir um pensador e estrategista político dessa grandeza.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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