São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NARCÓTICOS
Em Madri, dependentes poderão usar drogas livremente, com acompanhamento médico; ONU critica o projeto
Espanha abre sua primeira "narcossala"

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A Espanha, que nos últimos anos se tornou a principal porta de entrada para o tráfico de drogas na Europa, tem, desde o fim de maio, sua primeira "narcossala", um lugar onde os dependentes de drogas injetáveis podem consumi-las livremente, com acompanhamento médico.
O prédio de 200 m2 no povoado de Las Barranquillas, na região de Madri, está preparado para abrigar diariamente até 150 dependentes, que receberão material para o consumo de drogas, como seringas, água sanitária e desinfetantes, e serão atendidos por uma equipe de médicos, enfermeiros e assistentes sociais.
O objetivo do projeto é evitar que os dependentes se contaminem com o vírus HIV compartilhando seringas ou que morram de overdose.
Além disso, os funcionários presentes no local prestam auxílio àqueles que desejam se submeter a tratamento para desintoxicação.
O prédio tem ainda um minilaboratório para analisar a qualidade da droga trazida pelos dependentes. Em caso de adulteração por elementos químicos perigosos, sugere-se ao usuário que não consuma a droga.
Para usar uma das salas não é necessário mostrar documentos, para que os dependentes não evitem usá-las por temer serem identificados.

Críticas da ONU
Projetos semelhantes já foram testados na Áustria, na Suíça e na Holanda, mas até hoje não há um consenso sobre o assunto.
Em seu relatório divulgado no ano passado, a Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas), critica duramente os projetos semelhantes.
"Os governos que permitem a abertura de salas para uso livre de drogas estão também incentivando o tráfico", diz o relatório. "Elas contrariam as disposições dos tratados internacionais para o controle de drogas".
Para o secretário da Jife, Herbert Schaepe, as "narcossalas" não cumprem seu objetivo. "É paradoxal que se melhorem as condições para o consumo se o uso da substância é ilegal", disse.
"Ainda que tenham sido instaladas com as melhores das intenções, as salas não são a resposta adequada e podem contribuir para a expansão do risco", afirmou.
Nem mesmo internamente há um consenso, apesar de as "narcossalas" terem sido aprovadas por unanimidade pela Assembléia de Madri. O projeto do governo regional, controlado pelo Partido Popular (centro-direita), foi bastante criticado pelos oposicionistas PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol, social-democrata) e Izquierda Unida (esquerda).
A oposição alega que o projeto é apenas "cosmético", sem base em estudos científicos. Também critica a concorrência pública que escolheu a empresa responsável pela montagem das salas.
Apesar disso, os responsáveis pelo projeto garantem que a aceitação popular tem sido boa. "O apoio dos cidadãos de Madri é absolutamente majoritário", afirmou José Cabrera, diretor da Agência Antidroga de Madri.
A argumentação a favor da abertura das salas foi reforçada logo no seu primeiro dia de funcionamento. José Modesto Martínez, um dependente de heroína de 40 anos, morreu de overdose, sem assistência, poucas horas antes da inauguração das salas, numa das vielas de Las Barranquillas.
O povoado escolhido para abrigar as primeiras "narcossalas" da Espanha é conhecido em Madri como "supermercado da droga".
Estima-se que cerca de 4.000 dependentes passem por lá diariamente para comprar e consumir, à luz do dia, heroína, cocaína e maconha (leia texto ao lado).
A instalação das salas custou 138 milhões de pesetas (R$ 1,4 milhão), pagos pelos governos de Madri e da Espanha. Segundo Cabrera, existem projetos para a abertura de outras salas semelhantes, inclusive uma móvel, caso a primeira seja aprovada.



Texto Anterior: Atrás das grades: Pior prisão dos EUA vive guerra não declarada
Próximo Texto: Povoado é o principal ponto de tráfico da região
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.