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NARCÓTICOS
Em Madri, dependentes poderão usar drogas livremente, com acompanhamento médico; ONU critica o projeto
Espanha abre sua primeira "narcossala"
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
A Espanha, que nos últimos
anos se tornou a principal porta
de entrada para o tráfico de drogas na Europa, tem, desde o fim
de maio, sua primeira "narcossala", um lugar onde os dependentes de drogas injetáveis podem
consumi-las livremente, com
acompanhamento médico.
O prédio de 200 m2 no povoado
de Las Barranquillas, na região de
Madri, está preparado para abrigar diariamente até 150 dependentes, que receberão material
para o consumo de drogas, como
seringas, água sanitária e desinfetantes, e serão atendidos por uma
equipe de médicos, enfermeiros e
assistentes sociais.
O objetivo do projeto é evitar
que os dependentes se contaminem com o vírus HIV compartilhando seringas ou que morram
de overdose.
Além disso, os funcionários
presentes no local prestam auxílio
àqueles que desejam se submeter
a tratamento para desintoxicação.
O prédio tem ainda um minilaboratório para analisar a qualidade da droga trazida pelos dependentes. Em caso de adulteração
por elementos químicos perigosos, sugere-se ao usuário que não
consuma a droga.
Para usar uma das salas não é
necessário mostrar documentos,
para que os dependentes não evitem usá-las por temer serem
identificados.
Críticas da ONU
Projetos semelhantes já foram
testados na Áustria, na Suíça e na
Holanda, mas até hoje não há um
consenso sobre o assunto.
Em seu relatório divulgado no
ano passado, a Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas),
critica duramente os projetos semelhantes.
"Os governos que permitem a
abertura de salas para uso livre de
drogas estão também incentivando o tráfico", diz o relatório. "Elas
contrariam as disposições dos
tratados internacionais para o
controle de drogas".
Para o secretário da Jife, Herbert
Schaepe, as "narcossalas" não
cumprem seu objetivo. "É paradoxal que se melhorem as condições para o consumo se o uso da
substância é ilegal", disse.
"Ainda que tenham sido instaladas com as melhores das intenções, as salas não são a resposta
adequada e podem contribuir para a expansão do risco", afirmou.
Nem mesmo internamente há
um consenso, apesar de as "narcossalas" terem sido aprovadas
por unanimidade pela Assembléia de Madri. O projeto do governo regional, controlado pelo
Partido Popular (centro-direita),
foi bastante criticado pelos oposicionistas PSOE (Partido Socialista
Operário Espanhol, social-democrata) e Izquierda Unida (esquerda).
A oposição alega que o projeto é
apenas "cosmético", sem base em
estudos científicos. Também critica a concorrência pública que
escolheu a empresa responsável
pela montagem das salas.
Apesar disso, os responsáveis
pelo projeto garantem que a aceitação popular tem sido boa. "O
apoio dos cidadãos de Madri é absolutamente majoritário", afirmou José Cabrera, diretor da
Agência Antidroga de Madri.
A argumentação a favor da
abertura das salas foi reforçada logo no seu primeiro dia de funcionamento. José Modesto Martínez,
um dependente de heroína de 40
anos, morreu de overdose, sem
assistência, poucas horas antes da
inauguração das salas, numa das
vielas de Las Barranquillas.
O povoado escolhido para abrigar as primeiras "narcossalas" da
Espanha é conhecido em Madri
como "supermercado da droga".
Estima-se que cerca de 4.000 dependentes passem por lá diariamente para comprar e consumir,
à luz do dia, heroína, cocaína e
maconha (leia texto ao lado).
A instalação das salas custou 138
milhões de pesetas (R$ 1,4 milhão), pagos pelos governos de
Madri e da Espanha. Segundo Cabrera, existem projetos para a
abertura de outras salas semelhantes, inclusive uma móvel, caso a primeira seja aprovada.
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