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FRANÇA
Últimos moradores de Goussainville, esvaziada depois da construção do Charles de Gaulle, ainda tentam resistir
Aeroporto "mata" cidade do século 12
RONALDO SOARES
DE PARIS
Quarta-feira, 13h35. Um cachorro claudicante é o único sinal
de vida na rua Brulée, a via principal do centro histórico de Goussainville, nos arredores de Paris.
O local por onde o cão passeia é
conhecido como "cidade fantasma" porque ali é difícil encontrar
o que talvez o bicho esteja procurando: gente.
Nessa região de Goussainville, a
maior parte das casas está abandonada. As portas e janelas foram
fechadas com muros de tijolos. A
maioria dos moradores deixou o
local por causa de um incômodo
vizinho, o aeroporto Charles de
Gaulle.
Desde que o aeroporto entrou
em operação, em 1974, a vida dos
moradores de Goussainville nunca mais foi a mesma.
Situada a apenas 3 km da cabeceira da pista do mais importante
aeroporto da França, a cidade
passou a conviver com um barulho infernal causado pelos aviões,
que passam por ali uma média de
uma vez a cada dois minutos.
Quando o Charles de Gaulle começou a ser construído, no início
dos anos 70, seus administradores, prevendo o incômodo que seria causado na região, sugeriram
que os moradores de Goussainville vendessem suas casas para a
ADP (Aéroports de Paris, empresa aeroportuária da capital francesa) e deixassem o local.
A maioria aceitou, e a cidade ficou praticamente deserta -a população local caiu de 1.000 para
cerca de 300 habitantes.
A fuga de moradores arruinou o
comércio, e Goussainville foi se
transformando aos poucos em cidade fantasma. A padaria fechou
em 1973; o açougue, no ano seguinte; o restaurante, comprado
pela ADP, teve suas portas e janelas lacradas em 1976; e o bar, único ponto de convívio social que
ainda existia, também foi comprado pela ADP e demolido em
82.
Nem mesmo a imponente igreja
de Saint Pierre et Saint Paul, erguida no século 16, foi poupada: a
última missa ali celebrada data de
junho de 1998.
O antigo centro de Goussainville só não foi varrido do mapa por
causa de uma particularidade da
lei francesa, que proíbe a demolição de imóveis situados em um
raio de 500 metros ao redor de
uma construção histórica -no
caso, a igreja de Saint Pierre et
Saint Paul.
Como não podia derrubar as
134 casas que comprou no perímetro protegido por lei, a ADP resolveu fechar suas portas e janelas
com muros de tijolos, o que deu
ao local um aspecto fantasmagórico. Hoje, a cidade em si (com
prefeitura, hospital e escolas) está
instalada em uma área um pouco
mais distante do aeroporto, a chamada "nova Goussainville".
Mas os moradores que não venderam suas casas e resolveram enfrentar o barulho se recusam a
deixar o centro histórico de Goussainville -que constitui o núcleo
fundador da cidade, iniciado no
século 12, quando monges da abadia de Val de Mériel se instalaram
no local. Eles estão tentando reativar os imóveis fechados pela
ADP, para impedir que o local desapareça (leia texto ao lado).
"Como não podem demolir,
eles (a ADP) fecharam as casas e
vão deixar que elas se acabem naturalmente. Isso é revoltante, é
uma demolição passiva", afirma o
pintor Pierre Murillo, um dos
moradores da "cidade fantasma".
Ele vive com a mulher, Colette,
em uma das poucas casas habitadas na cidade fantasma e acha
"muito chato viver assim, praticamente no meio do nada".
"É triste ver um lugar morrer",
disse Murillo, que mora em Goussainville desde 1968.
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