São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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FRANÇA
Últimos moradores de Goussainville, esvaziada depois da construção do Charles de Gaulle, ainda tentam resistir
Aeroporto "mata" cidade do século 12

RONALDO SOARES
DE PARIS

Quarta-feira, 13h35. Um cachorro claudicante é o único sinal de vida na rua Brulée, a via principal do centro histórico de Goussainville, nos arredores de Paris. O local por onde o cão passeia é conhecido como "cidade fantasma" porque ali é difícil encontrar o que talvez o bicho esteja procurando: gente.
Nessa região de Goussainville, a maior parte das casas está abandonada. As portas e janelas foram fechadas com muros de tijolos. A maioria dos moradores deixou o local por causa de um incômodo vizinho, o aeroporto Charles de Gaulle.
Desde que o aeroporto entrou em operação, em 1974, a vida dos moradores de Goussainville nunca mais foi a mesma.
Situada a apenas 3 km da cabeceira da pista do mais importante aeroporto da França, a cidade passou a conviver com um barulho infernal causado pelos aviões, que passam por ali uma média de uma vez a cada dois minutos.
Quando o Charles de Gaulle começou a ser construído, no início dos anos 70, seus administradores, prevendo o incômodo que seria causado na região, sugeriram que os moradores de Goussainville vendessem suas casas para a ADP (Aéroports de Paris, empresa aeroportuária da capital francesa) e deixassem o local.
A maioria aceitou, e a cidade ficou praticamente deserta -a população local caiu de 1.000 para cerca de 300 habitantes.
A fuga de moradores arruinou o comércio, e Goussainville foi se transformando aos poucos em cidade fantasma. A padaria fechou em 1973; o açougue, no ano seguinte; o restaurante, comprado pela ADP, teve suas portas e janelas lacradas em 1976; e o bar, único ponto de convívio social que ainda existia, também foi comprado pela ADP e demolido em 82.
Nem mesmo a imponente igreja de Saint Pierre et Saint Paul, erguida no século 16, foi poupada: a última missa ali celebrada data de junho de 1998.
O antigo centro de Goussainville só não foi varrido do mapa por causa de uma particularidade da lei francesa, que proíbe a demolição de imóveis situados em um raio de 500 metros ao redor de uma construção histórica -no caso, a igreja de Saint Pierre et Saint Paul.
Como não podia derrubar as 134 casas que comprou no perímetro protegido por lei, a ADP resolveu fechar suas portas e janelas com muros de tijolos, o que deu ao local um aspecto fantasmagórico. Hoje, a cidade em si (com prefeitura, hospital e escolas) está instalada em uma área um pouco mais distante do aeroporto, a chamada "nova Goussainville".
Mas os moradores que não venderam suas casas e resolveram enfrentar o barulho se recusam a deixar o centro histórico de Goussainville -que constitui o núcleo fundador da cidade, iniciado no século 12, quando monges da abadia de Val de Mériel se instalaram no local. Eles estão tentando reativar os imóveis fechados pela ADP, para impedir que o local desapareça (leia texto ao lado).
"Como não podem demolir, eles (a ADP) fecharam as casas e vão deixar que elas se acabem naturalmente. Isso é revoltante, é uma demolição passiva", afirma o pintor Pierre Murillo, um dos moradores da "cidade fantasma".
Ele vive com a mulher, Colette, em uma das poucas casas habitadas na cidade fantasma e acha "muito chato viver assim, praticamente no meio do nada".
"É triste ver um lugar morrer", disse Murillo, que mora em Goussainville desde 1968.


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