São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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CAÇA AO ESCÂNDALO
Apesar da influência puritana nos EUA, desempenho do governo limitou impacto do caso Lewinsky
Denúncias saturam opinião pública

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

País de formação puritana, os EUA acham fundamental apurar denúncias, julgar acusados e punir culpados, sejam quem forem.
Pelo menos em teoria. Claro que, quando o suspeito é bem relacionado, poderoso e rico, é mais difícil levá-lo ao tribunal; e, se chega à condição de réu, suas chances de ser considerado inocente são maiores que as dos pobres, desprovidos e sem amigos.
Ainda assim, poucos países do mundo viram secretários da Justiça, chefes de Casa Civil da Presidência, deputados e senadores mudarem de palácios para prisões por motivos criminais.
Nos EUA, isso pode não ser corriqueiro. Mas já aconteceu algumas vezes, em especial do caso Watergate (1974) em diante.
Escândalos não têm nada de novo na política norte-americana. Mas, desde Watergate, eles se tornaram muito mais visíveis.
Primeiro, porque o sucesso aparente e relativo do jornal "The Washington Post" em sua cobertura dos crimes cometidos pela administração de Richard Nixon estimulou jornalistas de todo o país a tentarem seus momentos de glória.
Segundo, porque as instituições trataram de tentar mostrar ao público que iriam se equipar a fim de evitar a repetição do episódio.
Assim, por exemplo, foi criada a figura do promotor independente para apurar denúncias contra integrantes do primeiro escalão do governo federal ou pessoas íntimas deles.
O promotor independente, embora pago pelo Executivo, responde apenas à Justiça Federal.
O trabalho dos promotores independentes nos últimos 20 anos (o primeiro apurou denúncias de uso de droga contra o chefe da Casa Civil do governo Carter, Hamilton Jordan) foi sempre visto pela opinião pública como útil.
Até Kenneth Starr. A obsessiva atuação do maior inimigo de Bill Clinton recebeu condenação ferrenha da maioria dos norte-americanos, que a julgaram abusiva.
Pouco importa que os métodos utilizados por ele sejam até mais amenos que os dos promotores em casos comuns. Puritaníssimo, Starr achou que poderia tratar o presidente e a primeira-dama como se fossem cidadãos comuns.
Descobriu que depende. Depende de como o público julga o desempenho profissional do presidente. Como, sob Clinton, o país vive o seu momento mais longo de prosperidade econômica em meio século, o norte-americano médio pode até desprezar o presidente. Mas quer mantê-lo.
Com isso, é até possível que não haja apoio da sociedade à renovação da lei que criou o promotor independente. Quando o Congresso for considerá-la no ano que vem, é provável que decida contra a sua continuidade.
Além da singularidade do caso Clinton -um presidente eficiente, ainda que moralmente objetável- outro fator contribui para a mudança de atitude da sociedade dos EUA em relação a escândalos.
Há um generalizado sentimento de saturação com todos eles. A exploração de episódios como Lewinsky, Paula Jones, Whitewater, O. J. Simpson, Kennedy Smith, Mike Tyson, Clarence Thomas e tantos outros, que envolvem desde figuras locais até superastros, é tamanha que acaba funcionando como anestésico.
As pessoas podem até continuar assistindo, se interessando, mas perdem a capacidade de indignação. Ou simplesmente deixam de ter vontade de saber.
Numa compreensível reação, voltam-se contra os mensageiros. Nunca os meios de comunicação jornalística tiveram tão baixa avaliação social quanto agora.
Em 25 anos, o ciclo se fechou: o jornalista passou da condição de herói por expulsar Nixon da Casa Branca à de vilão por assediar Clinton na Casa Branca.
No entanto, a abertura da temporada de caça aos candidatos à Presidência na eleição norte-americana de 2000 mostra que as coisas não mudaram o suficiente para alterar o comportamento jornalístico.
A maioria pode estar exausta dos escândalos. Mas o consumidor de jornalismo, ainda não.


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