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CAÇA AO ESCÂNDALO
Apesar da influência puritana nos EUA, desempenho do governo limitou impacto do caso Lewinsky
Denúncias saturam opinião pública
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
País de formação puritana, os
EUA acham fundamental apurar
denúncias, julgar acusados e punir culpados, sejam quem forem.
Pelo menos em teoria. Claro
que, quando o suspeito é bem relacionado, poderoso e rico, é mais
difícil levá-lo ao tribunal; e, se
chega à condição de réu, suas
chances de ser considerado inocente são maiores que as dos pobres, desprovidos e sem amigos.
Ainda assim, poucos países do
mundo viram secretários da Justiça, chefes de Casa Civil da Presidência, deputados e senadores
mudarem de palácios para prisões por motivos criminais.
Nos EUA, isso pode não ser corriqueiro. Mas já aconteceu algumas vezes, em especial do caso
Watergate (1974) em diante.
Escândalos não têm nada de novo na política norte-americana.
Mas, desde Watergate, eles se tornaram muito mais visíveis.
Primeiro, porque o sucesso aparente e relativo do jornal "The
Washington Post" em sua cobertura dos crimes cometidos pela
administração de Richard Nixon
estimulou jornalistas de todo o
país a tentarem seus momentos
de glória.
Segundo, porque as instituições
trataram de tentar mostrar ao público que iriam se equipar a fim de
evitar a repetição do episódio.
Assim, por exemplo, foi criada a
figura do promotor independente
para apurar denúncias contra integrantes do primeiro escalão do
governo federal ou pessoas íntimas deles.
O promotor independente, embora pago pelo Executivo, responde apenas à Justiça Federal.
O trabalho dos promotores independentes nos últimos 20 anos
(o primeiro apurou denúncias de
uso de droga contra o chefe da
Casa Civil do governo Carter, Hamilton Jordan) foi sempre visto
pela opinião pública como útil.
Até Kenneth Starr. A obsessiva
atuação do maior inimigo de Bill
Clinton recebeu condenação ferrenha da maioria dos norte-americanos, que a julgaram abusiva.
Pouco importa que os métodos
utilizados por ele sejam até mais
amenos que os dos promotores
em casos comuns. Puritaníssimo,
Starr achou que poderia tratar o
presidente e a primeira-dama como se fossem cidadãos comuns.
Descobriu que depende. Depende de como o público julga o
desempenho profissional do presidente. Como, sob Clinton, o país
vive o seu momento mais longo
de prosperidade econômica em
meio século, o norte-americano
médio pode até desprezar o presidente. Mas quer mantê-lo.
Com isso, é até possível que não
haja apoio da sociedade à renovação da lei que criou o promotor
independente. Quando o Congresso for considerá-la no ano
que vem, é provável que decida
contra a sua continuidade.
Além da singularidade do caso
Clinton -um presidente eficiente, ainda que moralmente objetável- outro fator contribui para a
mudança de atitude da sociedade
dos EUA em relação a escândalos.
Há um generalizado sentimento de saturação com todos eles. A
exploração de episódios como Lewinsky, Paula Jones, Whitewater,
O. J. Simpson, Kennedy Smith,
Mike Tyson, Clarence Thomas e
tantos outros, que envolvem desde figuras locais até superastros, é
tamanha que acaba funcionando
como anestésico.
As pessoas podem até continuar assistindo, se interessando,
mas perdem a capacidade de indignação. Ou simplesmente deixam de ter vontade de saber.
Numa compreensível reação,
voltam-se contra os mensageiros.
Nunca os meios de comunicação
jornalística tiveram tão baixa avaliação social quanto agora.
Em 25 anos, o ciclo se fechou: o
jornalista passou da condição de
herói por expulsar Nixon da Casa
Branca à de vilão por assediar
Clinton na Casa Branca.
No entanto, a abertura da temporada de caça aos candidatos à
Presidência na eleição norte-americana de 2000 mostra que as coisas não mudaram o suficiente para alterar o comportamento jornalístico.
A maioria pode estar exausta
dos escândalos. Mas o consumidor de jornalismo, ainda não.
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