São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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FRANÇA
Presidente cria problema político ao vetar uso de idiomas falados por minorias em administrações locais
Chirac veta uso de línguas regionais

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
de Paris

A França é o país que mais resiste ao avanço da língua inglesa. Mas agora a questão político-cultural que o país enfrenta vem de idiomas menos universais -exatamente 75.
As chamadas línguas regionais viraram problema político após o veto do presidente Jacques Chirac à ratificação da Carta Européia de Línguas Minoritárias. Amparado por uma decisão do Conselho Constitucional, Chirac argumentou que a carta feria alguns artigos da Constituição. Os dois artigos seriam o 1º, que garante a igualdade dos cidadãos perante a lei, independentemente de origem, e o 2º, que diz que a língua oficial do Estado é o francês.
A carta, de 1992, prevê o estímulo ao ensino das línguas regionais e ao uso dessas línguas nas administrações locais. Para o Conselho Constitucional, a carta cria direitos específicos aos falantes dos idiomas regionais, eliminando a igualdade. A pedido do primeiro-ministro Lionel Jospin, o linguista Bernard Cerquiglini, do Instituto Nacional da Língua Francesa, elaborou uma lista das línguas em questão. Feitas as contas, Cerquiglini chegou à conclusão de que a França fala (ou pelo menos utiliza na forma escrita) 75 línguas diferentes, que poderiam ser protegidas pelo acordo.
Na lista, estão idiomas como catalão, basco, corso e creoles (diferentes idiomas de habitantes das colônias francesas), falados por etnias que formam a maioria da população em algumas áreas, e idiomas como árabe, iídiche e berbere, usados por grupos de imigrantes.
Há línguas que não são nem mais faladas. Segundo Cerquiglini, elas são, em geral, as "primas" do francês, como o normando, conhecido na forma escrita por moradores da Normandia, no norte do país.
Ficam de fora idiomas de imigração recente, não protegidos pela carta -entre eles o português, que começou a chegar à França quando Portugal vivia sob a ditadura salazarista.
Tanto Chirac quanto Jospin têm aliados importantes que acham que a carta põe a unidade francesa em perigo. Movimentos nacionalistas como o corso e o basco utilizam a defesa da língua local como um dos motes de sua atuação.
A posição é forte dentro do RPR (Reunião pela República) de Chirac e no MDC (Movimento dos Cidadãos), partido do ministro do Interior de Jospin, Jean-Pierre Chevnement. Chirac tem um problema adicional. Outro defensor da "unidade francesa" é Charles Pasqua, ex-membro do RPR e recém-fundador do RPF (Reunião pela França), que dividiu o eleitorado de direita do país.
Ao mesmo tempo, tanto o presidente quanto o primeiro ministro contam nos seus arcos de alianças com defensores de medidas protetoras dessas línguas. Para evitar problemas, Jospin, que levou a questão adiante, e Chirac, que vetou, passaram a adotar posições intermediárias.
Jospin disse que havia feito tudo o que podia e sugeriu que Chirac propusesse uma mudança constitucional em outro artigo, facilitando a ratificação do tratado.
O presidente, em viagem pelo interior, sugeriu nesta semana que a França adote uma legislação que garanta a adoção dos pontos do tratado sem ferir a Constituição, jogando o problema de volta para Jospin.
A solução deve vir do Parlamento. Deputados socialistas e da UDF (União Democrática Francesa) devem voltar das férias de verão com projetos de lei para pôr em prática o conteúdo da carta européia. Vão ter de discutir bastante, até que todos falem a mesma língua.


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