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FRANÇA
Presidente cria problema político ao vetar uso de idiomas falados por minorias em administrações locais
Chirac veta uso de línguas regionais
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
de Paris
A França é o país que mais resiste ao avanço da língua inglesa.
Mas agora a questão político-cultural que o país enfrenta vem de
idiomas menos universais -exatamente 75.
As chamadas línguas regionais
viraram problema político após o
veto do presidente Jacques Chirac
à ratificação da Carta Européia de
Línguas Minoritárias. Amparado
por uma decisão do Conselho
Constitucional, Chirac argumentou que a carta feria alguns artigos
da Constituição. Os dois artigos
seriam o 1º, que garante a igualdade dos cidadãos perante a lei, independentemente de origem, e o
2º, que diz que a língua oficial do
Estado é o francês.
A carta, de 1992, prevê o estímulo ao ensino das línguas regionais
e ao uso dessas línguas nas administrações locais. Para o Conselho
Constitucional, a carta cria direitos específicos aos falantes dos
idiomas regionais, eliminando a
igualdade. A pedido do primeiro-ministro Lionel Jospin, o linguista
Bernard Cerquiglini, do Instituto
Nacional da Língua Francesa, elaborou uma lista das línguas em
questão. Feitas as contas, Cerquiglini chegou à conclusão de que a
França fala (ou pelo menos utiliza
na forma escrita) 75 línguas diferentes, que poderiam ser protegidas pelo acordo.
Na lista, estão idiomas como catalão, basco, corso e creoles (diferentes idiomas de habitantes das
colônias francesas), falados por
etnias que formam a maioria da
população em algumas áreas, e
idiomas como árabe, iídiche e
berbere, usados por grupos de
imigrantes.
Há línguas que não são nem
mais faladas. Segundo Cerquiglini, elas são, em geral, as "primas"
do francês, como o normando,
conhecido na forma escrita por
moradores da Normandia, no
norte do país.
Ficam de fora idiomas de imigração recente, não protegidos
pela carta -entre eles o português, que começou a chegar à
França quando Portugal vivia sob
a ditadura salazarista.
Tanto Chirac quanto Jospin têm
aliados importantes que acham
que a carta põe a unidade francesa
em perigo. Movimentos nacionalistas como o corso e o basco utilizam a defesa da língua local como
um dos motes de sua atuação.
A posição é forte dentro do RPR
(Reunião pela República) de Chirac e no MDC (Movimento dos
Cidadãos), partido do ministro
do Interior de Jospin, Jean-Pierre
Chevnement. Chirac tem um problema adicional. Outro defensor
da "unidade francesa" é Charles
Pasqua, ex-membro do RPR e recém-fundador do RPF (Reunião
pela França), que dividiu o eleitorado de direita do país.
Ao mesmo tempo, tanto o presidente quanto o primeiro ministro contam nos seus arcos de
alianças com defensores de medidas protetoras dessas línguas. Para evitar problemas, Jospin, que
levou a questão adiante, e Chirac,
que vetou, passaram a adotar posições intermediárias.
Jospin disse que havia feito tudo
o que podia e sugeriu que Chirac
propusesse uma mudança constitucional em outro artigo, facilitando a ratificação do tratado.
O presidente, em viagem pelo
interior, sugeriu nesta semana
que a França adote uma legislação
que garanta a adoção dos pontos
do tratado sem ferir a Constituição, jogando o problema de volta
para Jospin.
A solução deve vir do Parlamento. Deputados socialistas e da
UDF (União Democrática Francesa) devem voltar das férias de
verão com projetos de lei para pôr
em prática o conteúdo da carta
européia. Vão ter de discutir bastante, até que todos falem a mesma língua.
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