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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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Médico relata atendimento em hospital

DO ""LE MONDE"

Por quatro dias, o médico voluntário Andrew Schechtman anotou fatos vividos num hospital improvisado em Monróvia, bombardeada pelos rebeldes. A íntegra está no site da ONG Médicos sem Fronteiras (www.msf.org).

 

"Um rapaz de 18 anos atingido por explosões de morteiros chegou com um ferimento profundo na lateral do pescoço. "Você sente alguma coisa?" perguntei, enquanto lhe picava com uma agulha, começando pelo ventre e subindo. "Não", ele respondeu, até que atingi a altura de seu peito. Com a exceção de um braço que ainda conseguia mover, ele estava paralisado do pescoço para baixo. Não vejo como disparos de artilharia numa zona densamente povoada possam ser vistos como tática de guerra legítima.
Fui à sala onde estão os feridos. O cômodo é pequeno para os 25 pacientes sobre esteiras de palha. Fui vê-los para mandá-los de volta a suas casas. "Suas casas" é um eufemismo, já que a maioria deixou suas casas há dias ou semanas devido aos combates, bombardeios ou ameaças. No hospital, as pessoas têm água, comida e um lugar seco para dormir. Para onde voltam não existe nada disso.
Enquanto isso, a cada dez ou 15 minutos, ouvíamos ao longe a explosão de um morteiro ou o som de um tiroteio. "Peguem seus pertences e desçam", eu lhes disse. Sinto vergonha de expulsar as pessoas, mas se eu não o fizesse nossas reservas acabariam."

 

"Alguns jovens corajosos percorreram correndo o trajeto até o hospital trazendo feridos em macas ou carrinhos de mão. É um verdadeiro ato de bravura: voltar repetidas vezes à zona de combates, correr sob uma chuva de foguetes para trazer mais feridos até nós. Como podíamos ajudá-los? Demos a eles materiais de identificação dos Médicos Sem Fronteiras, coletes e uma bandeira que penduraram numa haste sobre a maca. Isso não os protegerá das balas perdidas ou dos morteiros, mas esperemos que os ajude a passar pelos postos de controle."

 

"Fatu (nome fictício), uma moça de 20 anos, foi trazida após ter sido violentada. Quatro homens armados a agarraram e ameaçaram matá-la. Um deles deu tiros no ar. Ela se pôs de joelhos e implorou para não ser morta. Ele a arrastou para um canto sórdido e a jogou ao chão. Ele ameaçou matá-la e a violentou. Eu a examinei e redigi um relatório, para o caso de algum dia ela poder processar seus agressores. É pouco provável. Ela não sabe quem a agrediu, e o clima de anarquia desemboca em inúmeros estupros."

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