São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2004

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"Terror espetacular" fracassa, diz analista

OCTAVI MARTÍ
DO "EL PAÍS"

O francês Gilles Kepel é catedrático em ciências políticas e especialista em assuntos do Oriente Médio. Para ele, as ações terroristas espetaculares como a do 11 de Setembro são um fracasso porque não resultaram em mobilização das "massas populares" para "dotar o movimento extremista islâmico de uma base real".
 

Pergunta - Três anos depois do 11 de Setembro, como se pode descrever a situação?
Gilles Kepel -
Os supostos dois grupos ou civilizações monolíticos imaginados por Samuel Huntington apresentam muitas rachaduras, e elas são muito mais graves e profundas no mundo islâmico do que no Ocidente.
Europa e EUA estão hoje muito mais distantes do que em 11 de setembro de 2001. Pode ser, além disso, que estejamos assistindo ao nascimento de uma opinião pública européia, que saiu às ruas contra a Guerra do Iraque.
E, quando pensamos no mundo islâmico, é preciso constatar que os projetos de Ayman al Zawahiri, o grande ideólogo da Al Qaeda, estão muito distantes da realização. As operações de terrorismo espetacular não serviram para mobilizar as massas populares, para dotar o movimento islâmico de uma base real.
O lema -a declaração de uma jihad contra Israel- só serviu para arrebatar ao presidente palestino, Iasser Arafat, a bandeira do nacionalismo árabe, dando-lhe uma dimensão islamizante e religiosa, mas a realidade é que o único país que eles controlavam, o emirado afegão, escapou-lhes das mãos, e a Al Qaeda, como estrutura centralizada, está inoperante.
É certo, evidentemente, que os atentados se multiplicaram, em Bali, na Ossétia do Norte e em Madri, mas tudo isso é contraproducente para o islã e semeou a divisão em seu interior: Iraque ocupado, Arafat em situação precária, sunitas divididos, como os xiitas, Hamas neutralizado, Ariel Sharon construindo seu muro...

Pergunta - Seria quase possível afirmar que a chamada guerra contra o terror atingiu seus objetivos.
Kepel -
Veja, as intervenções no Afeganistão e no Iraque se assemelham ao trabalho de um cirurgião que remove um tumor sem se preocupar com a metástase. Hoje não há ninguém controlando a jihad, e os terroristas são como franqueados da Al Qaeda.
Os EUA se mostraram incapazes de pensar sobre o terrorismo fora dos velhos esquemas de oposição entre blocos, entre Estados. Aplicaram suas armas de destruição em massa à galáxia da Al Qaeda. Na Rússia, Putin resolveu o seqüestro como se fosse a revolução húngara de 1956.

Pergunta - O sr. acha que a Europa seja berço do islã "moderno"?
Kepel -
A batalha que será travada em nosso continente será crucial, e não se pode permitir que os muçulmanos que vivem na Europa fiquem excluídos, sob pretexto da defesa do multiculturalismo. É preciso facilitar a participação social desses setores, propiciar a inserção democrática.
Os franceses de origem judaica não são eleitos à Assembléia Nacional como representantes da comunidade judaica, mas como deputados de um determinado distrito.
A escola, a vida social, a participação nas instituições como cidadãos iguais, esse é o caminho a seguir em uma sociedade democrática, a qual não aceita que os indivíduos se organizem pelo que são, mas pelo que fazem ou querem ser e fazer.


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