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AMÉRICA LATINA
No conglomerado de 20 milhões de habitantes, 18 gangues se especializam em fazer reféns e cobrar resgates
Cidade do México vira a capital do seqüestro
TIM GAYNOR
DO "INDEPENDENT", NA CIDADE DO MÉXICO
Reclinado em uma cadeira em
seu escritório na Cidade do México, o analista de sistemas Roberto
Garcia franze o cenho ao lembrar
dos telefonemas. As instruções
eram simples: "Atenda antes do
segundo toque, ou espancaremos
seu sobrinho até sangrar. Se não
pagar o resgate, ele será devolvido
para a família aos pedaços."
Arrastado das ruas da capital
mexicana quando saiu para comer um hambúrguer perto de sua
casa, no modesto bairro de Iztapalapa, o jovem passou cinco semanas amarrado e vendado.
Ameaçada, agredida e solitária,
enquanto se esforçava por juntar
o milhão de pesos [cerca de R$
250 mil] exigido em resgate, a família Garcia se viu arremessada a
um mundo novo e aterrorizante,
que está se tornando cada vez
mais comum para os mexicanos.
"Acreditávamos que não estaríamos vulneráveis a seqüestros
porque não temos dinheiro suficiente para isso", relembra Garcia, 64, um homem de fala mansa,
sobre o período. "Agora, os pobres, a classe média e os ricos estamos todos sob ameaça. O seqüestro se tornou uma indústria."
Em recente relatório, a consultoria internacional de risco Kroll
estimou que cerca de três mil pessoas foram vítimas de seqüestros
no México no ano passado, cerca
de 20 vezes o número reportado à
notoriamente corrupta polícia
mexicana, o que deixa o país de
100 milhões de habitantes, atrás
apenas da Colômbia, uma nação
dilacerada pela guerra civil, nas
estatísticas de seqüestro.
Em junho, a onda de seqüestros
causou as maiores manifestações
de rua vistas no México em uma
década, que levaram à renúncia
do ministro da Segurança Pública. Os seqüestros também serviram de pano de fundo a "Man on
Fire" [Homem em Chamas], filme de suspense tenso dirigido pelo britânico Tony Scott [que ainda
não estreou no Brasil].
Atividade organizada
Embora os seqüestros sejam
muito freqüentes em todo o país,
a vasta capital mexicana é a zona
mais atingida. Maior cidade da
América Latina, com 20 milhões
de habitantes, a Cidade do México
é cercada por um labirinto estonteante de favelas, com barracos de
blocos de concreto. A cidade abriga 18 gangues bem organizadas de
seqüestradores, que não param
de ampliar a gama de vítimas a
que visam.
Empregando uma ampla teia de
conspiradores, entre os quais policiais, funcionários de bancos,
empregados domésticos e seguranças em condomínios residenciais de toda a capital, essas quadrilhas estabelecem perfis detalhados para suas vítimas, o que
permite que escolham momentos
favoráveis para a operação, e que
estabeleçam pedidos realistas de
resgate. Se no passado os seqüestros costumavam ser cíclicos, os
analistas dizem que a atividade
agora ocorre durante todo o ano.
"Os seqüestros costumavam se
intensificar perto das festas, como
o Dia das Mães, o Natal e a Semana Santa, porque os criminosos
precisavam de dinheiro para a
farra", diz Max Morales, analista
de segurança do México. "Mas este ano começou com a libertação
de duas pessoas em 4 de janeiro, e
não há mais períodos mortos."
O mercado de resgates já foi
avaliado em mais de US$ 100 milhões ao ano. Isso vem atraindo
muitos criminosos oportunistas,
da Cidade do México inteira e de
outras regiões do país. As quadrilhas emergentes têm mentalidade
menos empresarial e mais emocional do que as tradicionais e, como resultado, são mais violentas.
Desde o começo de 1996, seqüestradores mexicanos mataram a tiros, facadas e por estrangulamento mais de 160 de seus reféns. Mais de metade dos crimes
ocorreu nos três anos anteriores,
que constituíram um pico de atividade criminal no país. Em um
caso recente, que enojou os mexicanos já saturados de crime, dois
meninos foram mortos a tiros e tiveram seus corpos abandonados
em uma caçamba de entulho,
mesmo depois que seus pais pagaram US$ 600 mil em resgate.
Outro caso, em julho, envolveu
o seqüestro e o assassinato de
Carmen Gutierrez, escolhida como Mulher do Ano no México em
1997. Ela foi seqüestrada quando
saía de seu pequeno edifício. Os
captores ficaram receosos, em
meio às negociações, e decidiram
estrangulá-la, abandonando o
corpo em um canal nas cercanias
da cidade. Depois, percebendo
que ela não havia morrido, seguraram sua cabeça sob a água até
que ela parou de respirar.
A maior parte das pessoas no
México não consegue acreditar
que alguém seja capaz de tamanha brutalidade. Algumas pistas
quanto ao perfil dos seqüestradores surgiram recentemente quando detalhes sobre seis líderes de
quadrilha chegaram ao jornal
"Reforma", vindos do AFI, o serviço federal de investigações mexicano. Os perfis eram os de criminosos veteranos com longas fichas incluindo assalto, roubo, extorsão e assassinato, prisioneiros
por longos anos no brutal sistema
penitenciário mexicano.
Capturados em operações separadas no primeiro semestre deste
ano, os líderes de quadrilha eram
conhecidos por apelidos comuns
no submundo latino-americano,
como El Alacran (O Escorpião) e
El Duende. Portavam armas sofisticadas, como submetralhadoras
Uzi, pistolas Colt, Beretta e Taurus de alta potência, e fuzis de assalto AK-47, conhecidos na gíria
das quadrilhas como "cuerno de
chivo" ou "chifre de bode", devido ao pente curvo de munição
que os alimenta.
Devoção macabra
Como no filme de Scott, o culto
a santa Muerte tem papel importante na vida desses criminosos. A
estátua de Nossa Senhora dos
Mortos, armada com uma foice, é
reverenciada por ladrões, criminosos e prostitutas no bairro de
Tepito, uma das zonas de mais alta criminalidade na capital. Os
bandidos oram pela proteção da
santa. Rejeitado pela Igreja Católica, o culto se espalhou pelos bairros e atraiu policiais e políticos,
que seguem seus rituais e usam
tatuagens e amuletos que caracterizam os devotos. O culto tem seguidores até em Los Angeles.
Os seqüestradores não trabalham sozinhos. Os depoimentos
das vítimas muitas vezes incluem
relatos de "detenções" por policiais uniformizados que usam
seus carros-patrulha para forçar a
parada dos veículos dos seqüestrados. Entre os acusados de seqüestros recentes estão alguns
funcionários antigos e atuais de
diversos ramos das forças federais
e municipais de segurança. Em
junho, um grupo de oficiais de elite foi detido depois de seqüestrar
um empresário usando falsos
mandados de prisão.
Em uma tentativa de encobrir as
pistas e proteger uns aos outros,
os oficiais corruptos e de alta patente se uniram em um grupo secreto chamado La Hermandad.
La Hermandad conecta as quadrilhas das favelas da Cidade do
México aos escalões mais elevados do governo, os quais se beneficiam de empreendimentos criminosos que variam do tráfico de
drogas à extorsão.
Corrupção de alto a baixo
"O que você precisa compreender", diz Morales, enquanto conversamos em seu escritório, bem
acima do tráfego intenso no bairro de Colina del Valle, área nobre
da capital, "é que a corrupção da
polícia não é simplesmente questão de aceitar subornos para fechar os olhos ao crime, mas sim
de envolvimento de policiais nos
seqüestros. O pior é que pessoas
encarregadas de reprimir a corrupção continuam a tolerá-la".
O medo da corrupção nos escalões mais elevados dos órgãos de
segurança é tão forte que o procurador geral da Justiça mexicana,
Raphael Macedo, recentemente
solicitou que microchips fossem
implantados sob a pele dos 160
principais promotores e investigadores federais, para garantir
que o acesso a um novo banco de
dados sobre criminosos fosse seguro. Os aparelhos portam códigos únicos de identificação, para
bloquear tentativas de impostores
tentando ganhar acesso à rede.
Enquanto a comunidade policial mexicana continua a enfrentar dificuldades no combate à corrupção, que a ameaça de dentro,
os mexicanos mais ricos dedicam
cada vez mais atenção à proteção,
recorrendo a empresas privadas
de segurança que surgem em número cada vez maior, em um
boom de mercado que movimenta centenas de milhões de dólares
ao ano. Estima-se que até mil dessas empresas estejam oferecendo
serviços de segurança no momento, e elas variam de organizações
que provêm guardas armados de
cacetetes para proteger o comércio a cerca de uma dezena de empresas que oferecem sofisticados
pacotes de proteção total -os
mais abrangentes incluem serviços de avaliação de risco, seleção e
verificação de funcionários, e administração de emergências, eufemismo para designar negociações em caso de seqüestro.
Outro serviço altamente popular é a blindagem de carros. A
principal especialista nesse mercado, a O'Gara-Hess & Eisenhardt, estima que haja 50 empresas que oferecem veículos blindados de primeira linha na capital
mexicana, quase o dobro do total
registrado cinco anos atrás. Empregam os materiais mais modernos, entre os quais kevlar, fibra de
aramida e aço a prova de explosões e balas. Blindar carros europeus e americanos de luxo é uma
indústria que movimenta US$ 28
milhões ao ano no México.
Tradução de Paulo Migliacci
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